Em 1971/72, os Stones estavam num mato sem cachorro: sem grana e sem pátria. Detalhes a seguir.
No final dos anos 60, depois de toda uma década repleta
de sucesso, inacreditavelmente os
Rolling Stones estavam quebrados.
Após um começo hesitante, em 1963, os carinhas foram
pegando o jeito em mega-hits como ‘(I Can’t Get No) Satisfaction’ e álbuns
marcantes da estatura de ‘Aftermath’, ‘Beggar’s Banquet’ e ‘Let It Bleed’.
Era de se esperar que estivessem no mínimo ricos!
Infelizmente, seu empresário era ninguém menos que Allen
Klein, aquele mesmo que tempos depois deixaria sua marca nefasta nas finanças
dos Beatles.
Klein, simplesmente ao final de seu contrato com os
Stones, ganhou o direito sobre todas as canções da banda até então, que
passaram a ser publicadas pela sua companhia, a famigerada ‘ABKCO Records’.
Mick Jagger e seus
companheiros tiveram que abrir mão de seu catálogo de sucessos para se livrarem
do esperto empresário.
Para complicar mais a situação, o fisco britânico cobrava
taxas astronômicas sobre os ganhos da banda, fazendo com que dentro de pouco
tempo, nossos heróis fossem obrigados a deixar o país ou ficariam devendo
dinheiro para a Rainha!
Musicalmente, já a partir de 1968 houvera uma mudança de
direção da banda. O produtor de longa data, Andrew Loog Oldham fora dispensado
após vários atritos com Mick e Keith. O escolhido para substituí-lo, Jimmy
Miller, trouxe uma nova energia criativa para os rapazes, energia esta que já
se fez presente em ‘Beggar’s Banquet’.
Ao mesmo tempo que Miller dava novo ânimo à banda, um dos
fundadores do grupo, o guitarrista Brian Jones, encontrava-se submergido em
problemas emocionais, sentimentais e físicos.
Sua namorada, a
atriz italiana Anita Pallenberg, havia acabado de trocá-lo pelo seu companheiro
de banda, Keith Richards, durante uma viagem ao Marrocos em que Jones ficara
hospitalizado.
Além disso, Brian também sofria com sua dependência de
drogas e álcool, e, como conseqüência disto, suas várias prisões e
hospitalizações.
Chegou um momento durante as gravações do álbum ‘Let It
Bleed’ em que Brian
acabou se tornando uma figura decorativa no estúdio, isto quando comparecia aos
compromissos.
Não houve outro jeito. Brian Jones foi afastado da banda,
devido a sua incapacidade de tocar e de se relacionar com seus colegas.
Não houve tempo para reflexões sobre a saída de Jones da
banda. Menos de um mês após sua demissão ele foi afogado pelo seu mestre de
obras na piscina de sua mansão perto de Londres.
O escolhido para substituir o Stone que partiu mais cedo
foi o menino-prodígio da guitarra, Mick Taylor, egresso do John Mayall’s
Bluesbreakers.
Taylor tinha um estilo bem diferente de seu antecessor.
Se Brian era aquele músico que poderia tocar qualquer
instrumento, da cítara ao tambor, da gaita de boca ao saxofone, Taylor
concentrava todo o seu talento na guitarra solo. Foram dele alguns dos mais belos
solos de guitarra durante o período de cinco anos em que acompanhou os Stones, e que
provavelmente nunca serão igualados.
Por outro lado, Taylor era um rapaz tímido, sendo
facilmente ofuscado por Jagger e Richards na banda, ficando relegado a um papel
secundário de coadjuvante de luxo.
Com esta nova formação, os caras enfrentam os estúdios em
1970, e saem dele com um produto enxuto que abriria a porta dos anos 70 para a
banda.
‘Sticky Fingers’, lançado em 71, era o primeiro disco
pelo selo ‘Rolling Stones Records’ (selo imortalizado por uma boca com a língua
para fora) .
Agora, finalmente livre de Allen Klein, os Stones se
sentiam renovados, e isto se refletiu no álbum. Com o som se tornando mais
denso, e motivados pelo virtuoso Taylor, - que dirigia solos intermináveis de
guitarra - , todos deram o máximo de si neste produto que atingiu o mercado
como uma bomba.
Veio então o exílio!
Keith Richards, sabia que não havia opções. Os Stones
teriam que ir embora de seu país ou toda a carreira da banda até ali não teria
valido nada. Neste mesmo momento conturbado, Mick Jagger se apaixona pela
modelo nicaragüense Bianca Perez Macias.
Houve uma comoção no Reino Unido. Os filhos rejeitados
estavam deixando o seu lar, e Jagger iria casar com uma estrangeira. Após
algumas gravações em ‘Stargroves’, casa de campo de Jagger, nos arredores de Londres, os Stones
partiram.
Richards, o mais à vontade naquela situação, logo
escolheu o sul da França para se instalar, levando consigo sua mulher Anita e o
filho Marlon, de 3 anos.
Ele alugou uma mansão enorme, mais parecida com um
palácio, tendo inclusive um píer nos fundos da casa onde Keith poderia dar seus
passeios de iate.
Nellcôte, o nome
do lugar, já havia sido palco para diversos acontecimentos grandiosos, e
inclusive, segundo a lenda, foi um QG de oficiais nazistas na segunda guerra
mundial, o que não parecia absurdo visto ás suásticas desenhadas nas paredes do
porão da casa.
Mas nada se compararia ao glamour de ser residência de um
Rolling Stone de verdade!
Os outros Stones se espalharam pelos lugarejos do sul,
enquanto Mick Jagger se hospedava com Bianca, grávida, em Paris.
Determinados a recuperar o terreno perdido, o séquito da
banda, começou a procurar estúdios de gravação. Nada feito! Não havia nenhum
lugar com o mínimo de condições para as gravações.
Como último recurso, de modo que não precisassem mudar-se
para outro país novamente, Keith começou os ensaios em sua própria mansão.
O mais complicado foi a logística. Taylor e o baixista
Bill Wyman estavam hospedados a poucos minutos de Nellcôte, mas Charlie Watts
estava numa cidade à duas horas de distância e Jagger precisava alugar um
jatinho em Paris para participar das sessões.
Assim que puderam, os caras mandaram vir de Londres seu
estúdio móvel de gravação: um caminhão-trailer gigante, que foi estacionado no
jardim e conectado por enormes cabos ao ‘estúdio de gravação’: os porões da
mansão!
Nestas precárias condições, ensaiando e gravando em um
porão sujo, úmido e mal iluminado, com um calor insuportável, é impressionante
constatarmos como eles conseguiram registrar música de qualidade.
As sessões eram aleatórias. Num certo momento durante a
tarde Keith acordaria e iria almoçar. Logo o produtor Jimmy Miller se reuniria
a ele e ambos desceriam ao porão para começar os ensaios. Bill e Mick Taylor
também apareceriam já no final da tarde e o processo se intensificaria.
Para finalizar uma canção, eles eram obrigados a esperar
que Jagger se fizesse presente, o que era uma incógnita, sempre.
Além dos convidados para tocar no álbum, como o pianista
Nicky Hopkins, o trumpetista Jim Price e do velho amigo Bobby Keys, outros
convidados-surpresa apareceram.
Certamente o mais notório deles acabou sendo Gram Parsons
e sua esposa Gretchen.
Parsons, o gênio do country-rock, que tinha deixado sua
banda, os ‘Flying Burrito Brothers’, tornou-se um hóspede
semi-permanente na mansão de Nellcôte. Amigo de Keith já há alguns anos, os
dois varavam a noite tocando música country após começarem a dedilhar os
violões cedo da tarde. Alguns juram inclusive que Gram Parsons participou das
gravações oficiais, tendo deixado sua marca nos vocais de apoio em ‘Sweet
Virginia’, o petardo country do disco.
Havia, claro, excessos de ambos. Numa noite particularmente
azarada, ambos não notaram quando um grupo – conhecidos traficantes do lugar
- invadiu a casa e apossou-se de vários
instrumentos musicais, saindo sem pagar ou ser notados.
Outro ‘invasor’ – este ao menos amigo - foi Stephen
Stills, do grupo ‘Crosby, Stills & Nash’, que também protagonizou noitadas
históricas no lugar.
Quem não via isto com bons olhos era Mick Jagger, sempre
preocupado com o lado profissional da banda.
Stills, logo seria posto no olho da rua, e, Parsons, mais
tarde, também seria convidado a se retirar, para que os Stones cumprissem seus
prazos contratuais com a gravadora.
Conseguindo controlar seus excessos, Keith começou a
procurar uma certa coesão entre os mais chegados ás sessões noturnas de
Nellcôte, que incluíam Mick Taylor, o produtor Jimmy Miller, o saxofonista
Bobby Keys e o engenheiro Andy Johns.
O baterista Charlie Watts, apesar de sempre presente não
comungava dos mesmos gostos festeiros dos parceiros.
Bill Wyman ausentava-se seguidamente, devido ao ambiente
pesado da mansão, obrigando Taylor e Richards a muitas vezes assumirem o baixo.
Jagger aparecia
somente para colocar os vocais em algumas canções quase acabadas e retornava a
Paris para os braços de Bianca.
É surpreendente a qualidade de algumas canções que conseguiram
emergir daquelas sessões sombrias. Destaca-se especialmente a música de Keith
‘Happy’, em que ele parece ter sonhado com a melodia, e ao acordar, correu para
o porão, e com a ajuda de Jimmy Miller
na bateria e Bobby Keys no sax, a finalizou ali mesmo. Outra pérola destilada
em Nellcôte foi ‘Shine a Light’, um trabalho em equipe da dupla
Jagger-Richards.
A maioria das canções do álbum seriam começadas em
Nellcôte e mais tarde finalizadas em Los Angeles, entre
elas o poderoso riff que abre o disco de ‘Rocks Off’, a estranha ‘Casino
Boogie’ e a parceria de Keith e Mick com Taylor na deliciosa ‘Ventilator
Blues’, que parecia ser uma homenagem ao único ventilador presente naquele
porão mormacento.
O verão estava terminando. Em meados de setembro os Stones
começaram a flexionar seus músculos. A barra também havia ficado muito pesada
na França. Corriam boatos de uma prisão em massa dos moradores festeiros e
encrenqueiros. Era hora de partir para respirar outros ares. Logo a banda
viajaria para os EUA para encerrar o projeto ‘Exile on Main Street’.
Depois de mais um trabalhoso processo de finalização das
gravações em Los Angeles,
e das mixagens finais, finalmente os Stones conseguiram lançar o álbum em maio
de 1972.
Apesar – ou talvez justamente por isso - da sua
sonoridade pesada, complexa e rica em ritmos exóticos, os Rolling Stones
chegaram ao nº 1 nas paradas.
Houve uma certa parcela da mídia, e dos próprios fãs da
banda, que levaram muito tempo para assimilar o álbum. O resultado é que até
hoje, ele é considerado um dos trabalhos mais instigantes do rock em todos os
tempos.
Sem dúvida, o exílio na França contribuiu para que os
Stones pudessem sobreviver como banda, e a partir desse fato alçar novos vôos,
que seriam determinantes para seu domínio dos palcos mundiais até nossos
dias.
2 comentários:
Vai escrever bem assim na Rolling Stone!! Excelente, Dado!!
Hehehe, olha que eu acredito, Debbie!!! hehehe!!
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