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sexta-feira, 28 de março de 2014

Beatles at the Movies!

                                               



                                                             CENAS DA LONGA ESTRADA


O ano deveria ser 1966, e eu lembro de atravessar a praça Saldanha Marinho, com minhas irmãs para assistir a um filme no cine Independência. Bem, não era qualquer filme, era o segundo filme dos Beatles, chamado ‘Help!’.
Estranhamente isto ficou na minha memória, e algumas cenas do longa também, como a casa de quatro portas, em que os Beatles ‘moravam’, e a cama de John Lennon em um buraco no piso. O anel preso no dedo do Ringo, que dava vida ao roteiro do filme, também não esqueci.
Ao rever este filme dias atrás, as cenas todas voltaram como num passe de mágica. Os Beatles caminhando sobre ás águas, esquiando nos Alpes austríacos, no calor escaldante das Bahamas, no Palácio de Buckingham, e o mais importante: as canções que eles fizeram para o filme.

A canção-título foi a primeira música realmente séria dos Beatles. Lennon confirmou depois que estava mesmo pedindo socorro naquele tempo. Era sua fase de ‘Elvis gordo’, e ele estava inseguro com sua vida profissional. Apesar do sucesso da banda, talvez ele preferisse parar com tudo aquilo e tentar seguir apenas como escritor. Nessa época ele já havia publicado o livro ‘In His Own Write’, com grande alarde por parte da imprensa.

Sua via pessoal também não ia nada bem. Ele fora o primeiro dos Beatles a se casar. A namorada Cynthia engravidara em 1962, o que fez John imediatamente arrumar os papéis para o casamento. A pedido do empresário dos Beatles, Brian Epstein, o casamento de John e Cynthia foi mantido em segredo. Em abril de 1963 nasceria Julian, seu primeiro filho. Um ano depois Lennon não podia mais ficar em casa devido as exaustivas turnês e aos compromissos com gravações e filmes. Quando havia um tempo livre, ele deixava claro que não se adaptaria a vida doméstica. Cynthia e o pequeno Julian precisavam de um marido e de um pai. John Lennon era um ídolo mundial do rock!
Esta relação conflituosa, se refletiria em canções como ‘Help’, ‘I’m a Loser’ e 'Nowhere Man’.

O filme ‘Help!’ também foi veículo para uma grande composição de George Harrison, chamada ‘I Need You’. George estava namorando a modelo Pattie Boyd, que ele conhecera durante as filmagens do longa-metragem anterior, ‘A Hard Day’s Night’. Vivendo uma fase sentimental tranquila, além de continuar progredindo profissionalmente, Harrison conseguiu transmitir tudo isso em sua música. Durante as filmagens de ‘Help!’, ele também teria seu primeiro contato com a música indiana - em uma cena do filme, músicos indianos se apresentam em um restaurante – e logo George conheceria o músico Ravi Shankar que durante algum tempo lhe daria aulas de cítara. Esta novidade sonora seria imediatamente transposta para a música dos Beatles. No álbum seguinte, Harrison já dominava os acordes básicos da cítara para fazer um belo solo em ‘Norwegian Wood’.


 Nesta fase da banda, outra forte influência começava a aparecer: Bob Dylan. O poeta americano foi apresentado aos Beatles ainda em 1964, e em seu primeiro encontro, ele lhes sugeriu que fumassem uma erva vinda direto do âmago da mãe-natureza: a maconha.
Durante as filmagens de ‘Help!’, Lennon confessaria mais tarde, que era quase impossível a comunicação com a banda. Os carinhas estavam sempre viajando. Como John comentou: “Nós fumávamos maconha no café da manhã”. Além da erva, Dylan também conseguiu inspirar os rapazes em algumas baladas. Particularmente John, em ‘You’ve Got to Hide Your Love Away’, é bastante influenciado por Dylan, seja nos violões, no ritmo da canção e até mesmo nos vocais. Outro exemplo é ‘It’s Only Love’, que fez  parte do lado B do álbum.
Porém, se Bob Dylan protagonizou alguma influência nos Beatles, eles também o fizeram com o bardo americano, apresentando-lhe a guitarra elétrica. Nunca mais o som de suas baladas seria o mesmo depois dessa troca de experiências.

Se Lennon tinha problemas, seu parceiro Paul McCartney também não ficava muito atrás. Desde que se mudara para Londres em 1963, Paul começara a namorar a atriz de teatro e cinema Jane Asher, então com apenas 17 anos. Jane vivia com sua família em Wimpole Street, numa residência vitoriana de 3 andares. Ali, McCartney foi apresentado a um estilo de vida de classe alta que era inalcançável para um rapaz da classe trabalhadora vindo do norte. O pai de Jane, o Dr. Richard Asher, era um médico especialista em doenças mentais, sendo reconhecido nacionalmente, e já tendo escrito vários livros sobre o assunto. Sua mãe, era a senhora Margaret, de raízes nobres, e professora de música. Suas aulas se davam no porão da casa, onde por coincidência, o produtor dos Beatles, George Martin, estudara oboé.
Os irmãos de Jane também tinham aspirações artísticas. Peter, era ator e queria ser músico – e de fato faria relativo sucesso com a dupla apadrinhada por McCartney chamada Peter & Gordon. A irmã mais nova, Claire atuava em rádio-novelas.

No meio deste turbilhão profissional e artístico, Paul McCartney foi convidado a morar na casa, e se instalou no sótão em um pequeno cubículo, onde poderia gozar de certa privacidade para compor. O violão estava sempre embaixo da cama e havia um piano sem cauda no corredor.
 Vivendo com os Asher, Paul teve contato com o mundo paralelo das celebridades do teatro de Londres. Jane levava Paul a todas as peças dignas de nota, e o ajudou a desbravar o circuito underground londrino e a travar contato com a música de vanguarda. Teria início com essas incursões de McCartney, as ideias para as primeiras experimentações musicais dos Beatles.
O problema da relação com Jane, partia do princípio de que ela era independente demais. Jane Asher tinha sua própria carreira e não abriria mão dela, como as outras esposas dos Beatles fariam. De fato, o relacionamento dos dois não chegaria até o final da década de 60. Jane seguiria sua carreira no teatro e cinema, e também se tornaria uma empresária bem sucedida, do ramo de artigos para festas.
As músicas de Paul desse tempo, escancaram esse problema na relação dos dois. As brigas estavam começando a se tornar constantes e foram tornadas públicas em canções como ‘Another Girl’ e ‘The Night Before’, que faria parte da trilha de ‘Help!’.


Escondida no lado B, porém, está a obra-prima de Paul McCartney. Uma musiquinha chamada ‘Yesterday’, que havia chegado até ele em um sonho. Paul havia acordado cantarolando essa melodia, e na hora do café ela estava completa na sua mente. Tão pronta que ele imaginou que a música já existisse, e ficou muito tempo apresentando-a as pessoas e perguntando se não a conheciam. Ainda era apenas uma melodia por volta de 64, com o titulo de trabalho de ‘Scrambled Eggs’ [Ovos Mexidos] – a refeição de  McCartney naquele café da manhã. Paul só colocaria a letra definitiva durante férias com Jane em Portugal, já em 65, pouco antes das filmagens de ‘Help!’.

A canção segue como a mais regravada de todos os tempos. Apenas Paul e um quarteto de cordas participaram da gravação. A opção que parecia óbvia era que ela fosse lançada em single, mas Brian Epstein estremecia só de pensar em um single solo de Paul McCartney. A unidade da banda deveria ser preservada a qualquer preço, ao menos enquanto ele estivesse vivo. Tempos depois, ela foi lançada em single somente nos EUA, e foi direto para o primeiro lugar.

Duas canções de Lennon foram escolhidas para arrematar com chave de ouro a trilha sonora do filme. ‘You’re Going to Lose that Girl’ apresenta uma sonoridade intrincada do baixo de Paul, e uma guitarra solo extremamente bem definida por George, e os vocais de John e Paul não poderiam estar em melhor sintonia. ‘Ticket to Ride’ foi inovadora. Tanto na letra e no título obscuro de Lennon, quanto no ritmo quebrado da música. McCartney deve ter participado com alguns versos, além de tocar guitarra, mas sua maior contribuição foi a maneira pela qual Ringo Starr quebrava o ritmo da canção com sua bateria. Sem dúvida ‘Ticket to Ride’ foi uma das canções mais ousadas dos primeiros tempos da banda.

Os Beatles ainda tinham que completar o álbum com seu lado B. E este lado 'B' era um caso à parte!!! Além de  ‘Yesterday’ e ‘It’s Only Love’ havia outras pequenas jóias. Talvez a melhor tenha sido ‘I’ve Just Seen a Face’, com um McCartney  também inovando num ritmo acelerado, parecendo um country-rock acústico. Paul sempre disse que gostava muito dessa música pois os versos iam “saltando para a próxima estrofe”.

Falando em country, os Beatles, e Ringo Starr especialmente, fizeram uma bonita homenagem ao estilo, e a Buck Owens em particular, ao abrir o lado 2 com a balada ‘Act Naturally’, sucesso com Owens e seus Buckaroos nos anos 50. Apesar de que na época os americanos fossem incapazes de valorizar este tributo, décadas depois Buck Owens fez questão de fazer um dueto com Ringo nesta música, em um clip que entraria para a história do country americano.
O álbum é encerrado - como nos dois primeiros discos dos Beatles, com um rockão. A canção ‘Dizzy Miss Lizzy’ pode não ter sido tão poderosa em termos de sucesso quanto ‘Twist and Shout’ e ‘Money’, mas a música de Larry Williams nos mostra uma das pegadas mais ‘heavy’ da banda.

O filme ‘Help!’, não foi considerado tão bom quanto o anterior ‘A Hard Day’s Night’. Apesar da direção pulsante e frenética novamente de Richard Lester, ficou faltando algo. Provavelmente a realidade da vida cotidiana que seu antecessor mostrara, colocando os Beatles vivendo eles mesmo. A presença de estrelas do cinema como Leo McKern e Eleanor Bron, também pode ter deixado os rapazes inseguros. Como disse John, o enredo desta vez não tinha nada a ver com eles. Os garotos se sentiram artistas convidados em seu próprio filme.


‘Os Reis do Ié, Ié, Ié’, como ficou conhecido aqui no Brasil o primeiro longa-metragem dos Beatles, chamado ‘A Hard Day’s Night’, lançado em 1964, simplesmente havia revolucionado com o conceito de filme musical da época.
 Considerado hoje em dia até mesmo o precursor dos vídeos-clips e da MTV, este filme nos mostrava, em ritmo alucinante o que era ser um Beatle. De quartos de hotéis para carros, daí para shows ensandecidos de meia-hora, depois novamente para hotéis, viagens de trem em turnês pelo Reino Unido, sempre, claro, perseguidos por uma turba de fãs enlouquecidas.
O tempero do filme, só poderia ser canções de primeira. A abertura do filme com os Beatles no estúdio tocando ‘I Should Have Known Better’ já valia o ingresso.
A partir de uma das frases malucas de Ringo, Lennon se inspirou para compor o tema do filme. ‘A Hard Day’s Night’ é sem dúvida um dos muitos rocks poderosos da primeira fase da banda.     
O ‘homem das baladas’, como era conhecido Paul McCartney, comparece com uma daquelas suas canções de tirar o fôlego chamada ‘And I Love Her’, inspirada e dedicada a Jane Asher. Sua outra contribuição para o filme seria a sensacional ‘Can’t Buy Me Love’, com guitarras aceleradas e uma letra marcante. Esta canção foi um dos maiores sucessos da banda em single, e também foi eleita a favorita de cantores da pesada como Ella Fitzgerald, que a gravou numa cover inesquecível, deixando os Beatles orgulhosos.

Quem disse que Lennon não sabia compor baladinhas também? ‘If I Fell’ nos prova o contrário, quando John cerca a música de violões inspirados e capricha num vocal quase em uníssono com Paul.
No lado 2 do álbum, os destaques são ‘Things We Said Today’ e ‘Anytime At All’, ambas poderiam ter entrado tranquilamente na trilha sonora.


Foi graças a este filme, que pela primeira vez as personalidades dos Beatles, vieram à tona, sem dúvida um pouco buriladas pela direção, mas mesmo assim é interessante notarmos como eles ficaram estigmatizados por esta atuação na telona.
John, passaria a ser visto como o intelectual e perspicaz, de respostas rápidas e brilhantes. George como o rapaz quieto e tímido. Ringo seria o ‘palhaço’ da turma, sempre aprontando alguma. Aliás, Ringo Starr foi de longe o Beatle que se deu melhor nas filmagens. O diretor Richard Lester, sentindo seu carisma instantâneo, providenciou que a câmera grudasse no baterista, que roubava todas as cenas de que participava. Paul foi prejudicado por ter uma cena cortada na edição final. Sua imagem seria a do Beatle romântico e conquistador, mas sua cena, em que paquerava uma atriz, ficou longa demais, e novamente Brian Epstein objetou. McCartney não deveria ter mais destaque que os colegas. 
     
Com movimentos de câmera inovadores, e todo o charme da fotografia em preto e branco, ‘A Hard Day’s Night’, como ainda podemos perceber, não perdeu nem um pouco de sua mística. Ao revermos este clássico do cinema musical nos dias de hoje, sentimos que sua maior qualidade foi mostrar toda a autenticidade da música e da vida da melhor banda do planeta.

O contrato com a United Artists, negociado por baixo pelo instável Epstein, obrigava os Beatles a realizar mais dois filmes. Os rapazes que ainda viviam o clima louco da Beatlemania em 1965, não pretendiam trabalhar em outro longa tão cedo.
Quando as turnês terminaram e eles passaram a se dedicar integralmente as gravações, os Beatles analisaram vários roteiros para possíveis filmes, incluindo o de um livro de Tolkien chamado ‘O Senhor dos Anéis’. Seria interessante vermos o que os Beatles teriam feito com este roteiro. Outra tentativa foi com o roteirista e escritor ‘cult’ Joe Orton, que foi comissionado para escrever um roteiro para os rapazes, mas seu projeto que incluía elementos sexuais, adultério e assassinato chamado 'Up Against It', foi imediatamente vetado por Epstein.


Para cumprir seu contrato, finalmente os Beatles aceitam fazer uma pequena ponta em um desenho animado, não tendo grandes expectativas com o projeto. A história que girava em torno de um submarino amarelo, e fazia menção a várias canções da banda, emplacou um grande sucesso. O projeto em si, era revolucionário para 1968, e novas gerações de desenhistas começaram a se formar após assistirem ao filme.
‘Yellow Submarine’, foi dirigido por George Dunning e acabou tendo uma vida longa nas telas, passando no teste do tempo.
Para a trilha, os rapazes compuseram apenas quatro novas canções, incluindo o rock clássico com guitarras pesadas de Hey Bulldog, a brincadeira de Paul em ‘All Together Now’ com todos cantando e batendo palmas, e duas composições de Harrison: ‘It’s Only a Northern Song’ e a dissonante e visionária da época flower-power ‘It’s All Too Much’. O tema central, claro, era a canção ‘Yellow Submarine’ de Paul, composta em 1966 para Ringo cantar no álbum ‘Revolver’.


O produtor George Martin se encarregaria do restante da soundtrack, em que ele demonstraria toda sua capacidade como compositor e maestro.
No final do desenho, os Beatles ‘de verdade’ aparecem, saudando o público, e ao mesmo tempo procurando com uma luneta pelos malvados ‘azulões’. Sim, eles concordavam que a música era a salvação do planeta, e se colocavam na posição de guardiões da paz e do amor!

Os tempos difíceis chegaram, porém, e com eles vieram os desentendimentos profissionais e pessoais que já se encontravam em estágio avançado em janeiro de 1969, quando eles entram nos estúdios Twickenham, liderados por Paul McCartney, para um projeto que deveria resgatar a simplicidade e a eles mesmo enquanto banda de rock.
Os truques de estúdio de George Martin seriam dispensados, segundo Lennon, em favor de uma maior ‘honestidade musical’. Os ensaios seriam todos filmados, e para completar o projeto, a banda deveria fazer um show apoteótico em algum lugar exótico (aos pés do monte Everest, numa pirâmide no Egito, em um anfiteatro romano, ou navegando no rio Tâmisa).


Infelizmente nada deu certo. As filmagens de ‘Let It Be’, dirigidas por Michael Lindsay-Hogg, serviram apenas como um documentário de uma banda se desintegrando. McCartney parecia ser o único com disposição para encarar os ensaios, e sua cobrança incessante sobre os parceiros, só fazia piorar a situação.
Finalmente eles resolveram, como dizia o título do filme, ‘deixar tudo como estava’ e ir para casa. Faltava porém, o tal show ao vivo que se seguia aos ensaios. Sem outra ideia melhor, os Beatles subiram até a cobertura da Apple, onde no dia 30 de janeiro de 1969, se apresentaram juntos pela última vez.
Os felizardos acabaram sendo os transeuntes. Gente que saía do seu trabalho para almoçar, e vizinhos da Apple.
As canções desse período conturbado foram pouco trabalhadas, a produção que acabaria ficando a cargo de Phil Spector, deixou a desejar, mas elas eram no mínimo tão boas quanto ás dos álbuns anteriores.
McCartney sentindo que o fim estava próximo trouxe duas músicas que se tornariam marca registrada do final da banda. A faixa-título ‘Let It Be’, em que ele sonhou com sua falecida mãe, chamada Mary, o consolando, e ‘The Long and Winding Road’, muito apropriada para o final próximo da estrada para a banda.
Paul ainda teve tempo e disposição para tentar a parceria em duas músicas com John Lennon. Os vocais, no caso de ‘Two of Us’ e os créditos, no rockão ‘I’ve Got a Feeling’, duas das melhores sacadas do período.
O próprio Lennon, mais preocupado com sua nova musa, Yoko Ono, conseguiu energia suficiente para musicar os versos de ‘Across the Universe’, uma de suas poesias preferidas, e para recuperar o rock ‘One After 909’, que ele compôs com Paul no início da década.

A palavra final coube a Paul McCartney.


Assim como no último álbum da banda, em que seu verso “no fim, o amor que você recebe, é igual ao amor que você oferece” da canção ‘The End’, que inspirou milhões de pessoas, aqui novamente, tanto em ‘Get Back’ como em ‘Let It Be’ ele deixa uma mensagem de carinho e fraternidade.
Paul nos transmite a expectativa de que tudo poderia continuar da mesma maneira.

 Infelizmente, para os Beatles já era tarde.