Na onda da 'Up and Coming Tour no Brasil, e do
relançamento mundial em edições de luxo do famoso 'Band on the Run', sem dúvida
um dos melhores trabalhos de sir Macca, reproduzo aqui este texto presente em
meu livro 'Alto & Bom Som - Ruídos, Chiados e Pinceladas Musicais',
publicado pela editora Barco a Vapor.
Depois de começar sua carreira-solo com o simples e caseiro álbum
‘McCartney’, Paul lançou outros trabalhos irregulares. Muito se esperava do
álbum “Ram”, seu segundo trabalho solo, que frustrou as expectativas ao soar
confuso e disperso.
Em 1971, Paul volta a fazer o que gosta – tocar com uma banda - ao
montar o grupo Wings, mas lança dois álbuns fracos, “Wild Life” e “Red Rose
Speedway”. Neste meio tempo, singles de sucesso como Live and Let Die e My
Love mantinham a banda nas manchetes.
Em meados de 1973, Paul decidiu mudar de ares para a gravação do
próximo álbum e pede uma lista de estúdios disponíveis ao redor do mundo à sua
gravadora EMI. Em sua procura por um lugar para gravar, McCartney cogitou até o
Rio de Janeiro, mas acabou optando por Lagos, na Nigéria.
Na véspera do embarque, os membros do Wings, Denny Seiwell
(baterista) e Henry McCullough (guitarrista), simplesmente ligaram para Paul e
disseram que não iriam viajar à Nigéria e estavam saindo da banda. Os dois músicos não estavam satisfeitos com o local da próxima gravação e também faziam restrições a participação de Linda no grupo.
O choque foi grande, mas Paul, acompanhado de Linda e do outro
guitarrista Denny Laine, prosseguiu com os planos. A diferença foi que
McCartney teria que assumir a bateria e fazer a maior parte dos solos de
guitarra.
Paul esperava muito sol e um clima seco em Lagos, mas eles
chegaram no meio das monções, e o tempo se tornou inclemente com chuvas
torrenciais e intermináveis. Para complicar ainda mais, o estúdio da EMI não
estava acabado, e Paul e os componentes da equipe tiveram que ajudar na sua
montagem final.
Era difícil imaginar que McCartney conseguisse extrair música de
qualidade naquela situação, mas o que se viu prova que Paul funciona melhor
quando sob pressão.
A faixa-título que inicia os trabalhos é uma canção mágica, com
constantes mudanças rítmicas, falando sobre uma banda em fuga. Segundo Paul,
ele se inspirou nas frequentes discussões de negócio dos tempos difíceis da
Apple, quando George Harrison comentava que “de alguma maneira, todos eram
prisioneiros naquelas reuniões”.
Band on the Run seria também lançada em single e
atingiria o nº 1 nas paradas.
O poderoso rock Jet dá o tom a seguir com guitarras
pesadas, tocadas por Paul e Denny, e uma sessão de metais muito forte. Esta
canção seria sempre utilizada nas futuras turnês de Paul com o Wings e em
carreira-solo, como forma de agitar a galera. Jet era ninguém menos do
que um filhote de Labrador de Linda.
A acústica Bluebird acalma os ânimos e parece – com seus
belos violões – uma prima direta da antiga balada Blackbird dos tempos
do ‘White Album’. Destaque também para o solo de sax de Howie Casey.
Como se não bastasse todos os problemas, Paul ainda sofreu um mal
súbito durante as gravações, chegando a desmaiar. Houve suspeitas até de um
ataque cardíaco, mas o médico responsável acabou apenas recomendando que Paul
descansasse e parasse de fumar.
Outro rock agitado de McCartney, Mrs. Vandebilt, mantém o
pique do álbum, com belas guitarras, harmonias espertas de Linda e Denny e uma
letra que tentava ser otimista, What’s the use of worrying? (por que se
preocupar?), cantava Paul.
Mas na verdade, ele tinha muito com o que se preocupar. Uma noite
após as gravações, Paul e Linda saíram para caminhar aproveitando uma trégua
nas chuvas intermináveis. Durante o passeio eles foram abordados por uma gangue
e ameaçados com facas. Os assaltantes levaram as fitas demos de tudo o que
tinha sido gravado até então, para desespero dos McCartney. Felizmente, Paul
lembrava de quase todo o material gravado, e o roubo não se mostrou
determinante.
Para encerrar o lado 1, McCartney nos reservou uma de suas mais
consistentes baladas, a inesquecível Let Me Roll It. Marcada por
guitarras pesadas e um baixo muito consistente – Paul iria ganhar o prêmio de
baixista do ano em 1974, de revistas especializadas – e ela também nos mostra
um McCartney com todo o seu talento vocal, lembrando os tempos de Oh!
Darling presente no disco “Abbey Road”. Paul utilizou muito o eco nesta
gravação, o que fez com que muitos achassem sua voz parecida com a de John
Lennon.
Gravada em meio a uma tempestade tropical, Mamunia, que
significa ‘Porto Seguro’, inicia o lado 2 e parecia ser bem apropriada para a
ocasião. Paul ainda estava tentando ser otimista com as chuvas e providencia
uma bonita sessão de percussão na música.
O guitarrista Denny Laine, que viria a se tornar um membro
importante até o final da banda, estreia como parceiro de McCartney na
inofensiva No Words, o momento mais pop do álbum, em que Denny divide os
vocais com Paul e Linda.
A faixa seguinte, Helen Wheels, na qual Paul ‘homenageia’
sua Land Rover, havia sido lançada em single, e Paul não a queria no disco, mas
para os americanos, a inclusão de singles nos discos, significam grandes vendas
de álbuns. Nas edições inglesas e brasileiras originais, esta música não
consta, sendo lançada apenas na América.
Os problemas continuaram quando Paul foi acusado por alguns
músicos locais de estar “roubando os ritmos nigerianos”, sendo obrigado a lhes
mostrar as gravações e prometendo que, se houvesse o ‘roubo’ desses ritmos, ele
jogaria tudo no lixo. Ele foi absolvido pelos músicos!
A canção seguinte, Picasso’s Last Words ( Drink to Me), foi
gravada no estúdio ARC de Ginger Baker, ex-Cream, que se encontrava na Nigéria
e tocou percussão na música. Uma das mais criativas canções do álbum, ela foi
composta durante férias de Paul na Jamaica alguns meses antes, quando ele
encontrou o ator Dustin Hoffman que estava participando do filme “Papillon”.
Hoffman convidou os McCartney para jantar em sua casa e, durante a
refeição, perguntou a Paul como ele fazia para compor. Qual o seu método? Não
sabendo como explicar ao amigo, Paul apanhou o jornal do dia no qual havia uma
notícia sobre a morte do famoso pintor Pablo Picasso, dando conta que suas
últimas palavras haviam sido “Drink to me, drink to my health’ (Bebam à minha
saúde). McCartney, de posse dessa frase, começou a dedilhar o violão e a
composição foi ganhando forma na frente de um extasiado Hoffman que gritava
para sua esposa, “Ele está compondo, veja, ele está compondo”.
O álbum chega ao fim com um piano muito competente tocado por
Paul, na cativante Nighteen Hundred and Eigthy-Five, um desfecho
sensacional para um álbum fantástico. Ao final da canção ouve-se o retorno do
tema da banda em fuga, num arranjo primoroso do maestro Tony Visconti, que
ganharia um Grammy por esse trabalho.
Impossível não se destacar a capa do álbum. Paul teve a ideia de
chamar alguns amigos e ídolos para uma foto, tendo como tema um grupo de
pessoas fugindo. Muitos encontraram semelhança com a capa de Sgt. Pepper’s,
mas tudo foi pura improvisação.
Fazem parte da foto da capa o ator James Coburn – na época
lançando o filme “Pat Garret & Billy The Kid” de Sam Peckinpah - o
jornalista e âncora de TV Michael Parkinson, o boxeador e futuro campeão
mundial John Conteh, os também atores Christopher Lee (Drácula) e Kenny Linch e
o colunista e gourmet Clement Freud, além de Paul, Linda e Denny. Eles foram
clicados por Clive Arrowsmith.
Quando foi lançado, em dezembro de 1973, “Band on the Run” fez
imenso sucesso e restabeleceu a credibilidade de Paul McCartney como músico e
compositor.
Ele estava pronto para novos desafios!
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