Total de visualizações de página

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Two of Us


Recebi esta histórinha por e-mail, o autor não sei quem é. Tempos atrás escrevi algo parecido com esse 'papo' entre John e George! Fica aqui a história desse 'autor desconhecido', como mais um testemunho do show de Paul visto por dois pares de olhos que deixaram saudade.


Por trás dos cabelos longos e bigode, ele está olhando para baixo,
observando algo fixamente. É surpreendido pela chegada do
companheiro, que possui cabelos ainda mais longos que quase escondem
os óculos de aro fino.
O recém-chegado senta-se ao lado do amigo, olhando para baixo e
apertando os olhos devido à miopia. Após alguns segundos, pergunta:
– Ele já entrou no palco?
– Já. Está tocando há alguns minutos – responde o amigo.
– Onde é?
– No Brasil. Em São Paulo, acho.
– Está cheio?
– Muito.


O de óculos permanece em silêncio alguns segundos, tentando captar
o som que vem de baixo, de longe.
– O que ele está tocando agora? Jet?
– Acho que sim, não dá para ouvir direito por causa da gritaria.
Mas acho que é sim.
– Eu gosto desta música.
– Ele está falando com a platéia, mas não consigo entender nada.
– Acho que é português. Não dá para ouvir direito, o público
não deixa.
– Com a gente era assim, também. Lembra no Japão? Ninguém ouvia
nada.
– Olhe! All My Loving!
Ambos começam a bater as mãos no joelho, de forma quase
inconsciente, acompanhando o ritmo da música. “I’ll pretend that
I’m kissing…”, o de bigode canta baixinho.
– George! Você ainda se lembra da letra!
– Tem como esquecer? Aposto que você se lembra também.
– Eu me lembro de todas. Todas as músicas. Todos os versos.
– Ele está afinado ainda, não?
– Ele sempre cantou muito bem. Desde menino, ele sempre cantou
muito.
Ficam em silêncio mais um pouco, olhando para baixo atentamente.
– Qual é agora? Drive my Car? A platéia esta fazendo barulho
demais.
– Drive my Car. Essa é quase toda dele, sabia? Eu apenas ajudei
em uns trechos.
– Está no Rubber Soul, né?
– Acho que sim. Sim.


– A platéia está cantando a música inteira.
– Como eles sabem a letra? Eles não eram nem nascidos quando
lançamos isso.
– Não sei... Mas eles estão cantando a música inteira, John. Dá
para ver daqui.
Permanecem em silêncio por mais algum tempo. O de óculos, mesmo sem
perceber, balança a cabeça para os lados discretamente, ao som da
música.
– Ele foi para o piano.
– Eu nunca entendi como ele sabia tocar tantos instrumentos. Isso
não é normal.
That leads to your door
Will never disappear

– Qual ele está tocando agora? The Long and Winding Road?
– Sim. Veja! As pessoas estão chorando!
Afastando os cabelos do rosto, o míope aperta ainda mais os olhos,
vasculhando a multidão.
– Não gosto dessa música – ele diz, mais para si mesmo que para
o amigo.
– É linda. Ninguém conseguia fazer baladas como ele.
– Mas não gosto. Nós mal nos falávamos na época.
– Acontece. Acontece com todo mundo, por que não iria acontecer
com a gente?
– Verdade.
– Ele está tocando as nossas, olhe. Antes foi And I Love Her.
Agora é Blackbird.
– Eu não acredito que as pessoas ainda cantam junto, depois de
tantos anos... A letra não está aparecendo no telão? – pergunta
o de óculos, abaixando-se ainda mais e tentando ver o palco.
– Não, elas sabem mesmo. Dá para perceber daqui.
– Ele disse meu nome?
– Sim. Você sabe qual ele vai tocar. Ele escreveu para você.
I still remember how it was before,
and I’m holding back the tears no more…


– Você está legal, John?
– Eu e ele perdemos muito tempo. Hoje eu sei disso.
– Eu sei.
– Sabe, George... Se nós soubéssemos que eu teria tão pouco
tempo, talvez tivéssemos nos comportado de outra maneira.
– Talvez não. Vocês sempre foram melhores amigos. Ele sabia
disso. Ele faz questão de cantar essa, todo show. E ele sabe que
você está vendo. Ele não canta para a platéia, ele canta para
você. É a forma que ele encontra de matar a saudade um pouco.
– Será?
– Sim. Eu senti muito sua falta antes de nos reencontramos. Olhe as
pessoas lá embaixo, estão soluçando. Todos sentem sua falta.
– Eu sinto muito a falta dele. Eu sinto muita saudade da gente.
Especialmente do começo. Lembra da Alemanha?
– A gente ainda era menino... Tudo era o máximo, tudo era
novidade. Nós éramos novidade.
– Nós ainda somos novidade. Olhe, essa é sua!
You’re asking me, my love will grow?
I don’t know, I don’t know

– Eu me lembro de quando escrevi. Era difícil escrever algo com
vocês ali.
– Essa música é linda.
– Olhe! No telão! Ele colocou uma foto minha!
– A gente gostava demais de você. Você era mais novo, víamos
você como uma espécie de caçula.
– Eu sei – concorda o de bigode, rindo alto.
Esperam em silêncio a plateia aplaudir. Ao final da música, ambos
estão visivelmente emocionados, cada qual com suas lembranças. Os
acordes de uma nova canção parecem despertá-los.
– Eu gosto dessa!
– Essa é dele, não é nossa.
– Band on the Run? Mas poderia ser nossa.
– Se dependesse de mim, seria.
– Ah, sim. De todos nós, você sempre foi o mais roqueiro, essa
música é a sua cara.
– Ele fez muita coisa boa, né?
– Sim.

Enquanto o de óculos bate os dedos no joelho, o de bigode, sentado
de pernas cruzadas transforma sua própria coxa no braço de uma
guitarra imaginária. Ambos parecem distantes, talvez pensando não
no que foi, mas no que poderia ter sido.
I read the news today oh boy
About a lucky man who made the grade


Enquanto o de bigode tamborila os dedos no ritmo, seu amigo remove os
óculos rapidamente. Está chorando.
– Você sempre chora nessa.
– Foi uma das últimas que escrevemos juntos. Mesmo separados.
Metade é minha, metade é dele. É estranho, hoje, vê-lo cantando
minha parte, e eu aqui.
– Ele não está cantando sozinho.
– Como não?
– Olhe o estádio. É uma voz só, uma voz de sessenta mil pessoas.
– O que são aquelas coisas brancas? Balões de gás?
– Sim.
– Como isso fica bonito, vendo daqui de cima.
– Espere… Give peace a chance? Isso não era da música, certo?
– Não.
– Isso é seu!
– Sim.
– O estádio inteiro está cantando! Olhe os balões de gás! As
pessoas estão chorando, se abraçando.
O de óculos resmunga um palavrão, sorrindo. Seus óculos estão
embaçados, molhados de saudade.
– Let it be. Essa não poderia faltar.
– Eu não me conformo com isso, com as pessoas ainda saberem as
letras inteiras.
But in this ever changing world
in which we live in

– Eu gosto dessa também.
– Uau! Você viu aquilo, John? São fogos?
– Ficou demais, né?

– Nós não tínhamos isso no nosso tempo.
– Nós não precisávamos.
– Mas ele também não precisa. Mesmo assim, ficou lindo.
– O que as pessoas estão cantando, agora? Hey Jude?
– Sim... Estão abraçados, cantando junto com ele.
– É engraçado, George... Eu sei que nós éramos bons... Mas acho
que nunca entendi a importância que temos na vida das pessoas, até
pouco tempo atrás. Quando eu assisto aos shows dele, e vejo as
pessoas cantando junto, chorando... Mexe demais comigo.
– Nós éramos bons, John. Você sabe disso.
– Aparentemente, ainda somos. As pessoas ainda...
– Ainda o quê?
– Sabe, eu estava errado.
– Oi?
– Quando eu disse que o sonho acabou. Eu estava errado.
– Nós três sempre soubemos disso, que você estava errado.
Você sempre falou demais. Lembra aquela confusão de sermos maiores
que Deus?
– Sim... Mas o sonho... O sonho não acabou nunca. Eu errei.
– John?
– Sim?
– O sonho nunca vai acabar. Não enquanto as pessoas se lembrarem.
E elas vão se lembrar para sempre.
Sorrindo, John Lennon levanta-se e oferece a mão a George Harrison.
– Você está com sua guitarra?
– Eu sempre estou com minha guitarra, você sabe.
– Vamos tocar um pouco?
– Qual?
– Qualquer uma. Deu saudade.


Milhões de quilômetros abaixo, Paul McCartney, emocionado,
agradece à platéia.

Nenhum comentário: