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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Caetanear!!!



Um amigo me perguntou esses dias se eu ainda gostava de música nacional. Respondi que sim, apesar de ficar muito tempo sem ouvir sons aqui da terra. Qual seria o meu artista preferido? A primeira figura que me veio na cabeça foi Caetano Veloso, claro!
Vou me referir aqui ao Caetano dos anos 60 e 70, quando o sucesso comercial não batia a sua porta. Gente como Chico Buarque e seus amigos baianos Gilberto Gil e Mutantes faziam muito mais alarde e vendiam mais discos que o Mano Caetano.
Cae surgiu pra mim em um Festival da Canção que nem lembro o ano direito, mas deve ter sido 1967. A canção era 'Alegria, Alegria'.
Seus versos iniciais diziam: "Caminhando contra o vento sem Lenço e Sem Documento, num sol de quase dezembro.... eu vou..."
Caetano devia ter ganho disparado, mas sabe como é, as cartas já estavam marcadas e acho que ganhou o Chico com 'A Banda'!!!
Porém, o Brasil descobriu um novo talento, um cara gente fina, educado, contestador e muito inteligente. Em 68 surge seu primeiro trabalho solo: 'Caetano Veloso', que além da 'Alegria, Alegria', que ficou conhecida tal qual a 'Lucy in the Sky with Diamonds' dos Beatles pelas iniciais LSD, continha outros belos exemplos da poesia do Cae como 'Tropicália', 'Clarice', e uma canção do Gil chamada 'Soy Loco Por Ti, América', que emplacou nas rádios.
O projeto de Caetano ao deixar a Bahia, e sua querida Santo Amaro, era construir uma carreira sólida no Rio de Janeiro, mas com o endurecimento do regime militar seus planos foram frustrados.
No verão de 1969 Caetano e Gil foram várias vezes detidos até que resolveram deixar o país (ou resolveram por eles) antes que algo de pior acontecesse.




Caetano se instalou em Londres, e seus primeiros meses na capital  inglesa foram de puro sofrimento por saudade de seu país natal. A música seria sua única aliada que o ajudaria a suportar viver tão longe de casa e dos amigos. Como para expor seus sentimentos de maneira mais contida ele começou a compor em inglês, e em 1971 seu trabalho também chamado de 'Caetano Veloso' é lançado. Sua primeira composição em inglês e a primeira do novo álbum é 'A Little More Blue' contando suas difíceis experiências no exílio. A segunda se tornaria com o tempo um hino de Cae: 'London, London'.
Seus versos exprimem toda a solidão do mano:
'I'm Wandering round and round nowhere to go 
I'm lonely in London London is lovely so....
I know no one here to say hello..."


Uma homenagem, que soa mais como um pedido de socorro a sua irmã aparece em 'Maria Bethânia':
"Maria Bethânia, please send me a letter
I wish to know things are getting better...."


A melhor porém, para mim é a sofrida 'If You Hold a Stone', em que o poeta mistura as duas línguas, o que a tornou ainda mais pesada:
"....eu não sou daqui
Eu não tenho amor
Eu sou da Bahia
De São Salvador
Eu não vim aqui
Para ser feliz
Cadê meu sol dourado
E cadê as coisas do meu país"


Difícil encontrarmos exemplo de uma poesia tão consistente e tão sincera! O álbum termina com uma versão também triste de 'Asa Branca' de Gonzagão.


Em 1972 de volta à terrinha Caetano parecia ressentido, com razão, e seus dois álbuns lançados naquele ano contam bem tudo isso. 'Araçá Azul', foi talvez o disco mais devolvido da época. Ninguém gostou das experiências vocais e instrumentais e ruídos do cotidiano do 'brother'. Havia pouca música ali. Alguns críticos o taxaram de 'cult', mas é preciso ter muito boa vontade para passear por este trabalho sem se irritar antes do fim!




Já no outro, o 'Transa', a coisa muda de figura. Ainda com canções em inglês na mala - o que só atrapalhava seu lado comercial - Caetano botou mais uma vez pra fora seu talento e sua espontaneidade. Nas faixas 'You Don't Know Me' e 'Nine Out of  Ten' novamente ele mistura o português e o inglês e o resultado é sempre surpreendente:
"The world is spinning round slowly
There's nothing you can show me
Nasci lá na Bahia
De mucamba com feitor
O meu pai dormia em cama
Minha mãe no pisador"


Caetano não alivia também em 'Triste Bahia' parceria com Gregório de Mattos, e muito menos em 'It's a Long Way':
"Wake up this morning
Singing an old, old Beatle song
...Os olhos da cobra verde
Hoje foi que arreparei
Se arreparasse há mais tempo
Não amava quem amei".


Talvez a melhor canção do álbum tenha sido uma cover composta por Monsuelo Menezes e Arnaldo Passos chamada 'Mora na Filosofia'.
".... Botei na balança
Você não pesou
Botei na peneira
Você não passou
Mora na filosofia
Pra que rimar
Amor e dor."


Ainda em 72, Cae se envolveu em projetos junto com Chico Buarque, inclusive em disco, além de shows ao vivo, e geralmente sendo perseguido pela censura.




Em 1975 ele lança outros dois discos juntos, deixando claro que preocupação com vendas não existiam na sua cabeça. 'Jóia' e 'Qualquer Coisa', são como irmãos gêmeos, porém existem algumas sutis diferenças que tornam o segundo mais atraente. Começa pela capa, onde ele faz um tributo ao 'Let It Be' dos Beatles, - sim, até o Mano Caetano adora eles, - e no conteúdo do álbum mais homenagens ao quarteto fantástico.
Versões de Caetano ao violão de 'Eleanor Rigby', 'For No One' e 'Lady Madonna', confirmam seu talento como instrumentista e seu inglês quase irrepreensível, sendo na minha opinião as melhores versões nacionais destas músicas.
O álbum não tinha só Beatles. 'Qualquer Coisa' (Pra lá de Marrakesh), a linda 'Da Maior Importância' ("Mas você não teve pique, e agora não sou eu quem vai lhe dizer que fique..."), 'Samba e Amor' (do Chico) e 'Madrugada e Amor' (de José Messias), traduzem de maneira certeira o momento ainda conturbado na vida do Mano.
Em 1976 Caetano deu um tempo na carreira-solo e juntou-se aos manos baianos Gal, Gil e Bethânia, no projeto 'Doces Bárbaros', que consistiria em shows por todo o Brasil, além de um álbum duplo gravado ao vivo, que se tornou histórico.




1977 chegou e este ano Caetano Veloso parecia revigorado. Um álbum alegre finalmente chegou com 'Bicho'!
Ele deve ter pensado: 'Vocês querem sucesso? Pois bem, lá vai..."
'Odara', 'Gente' ("Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome.."), 'Um Índio', 'Tigresa' (Gal Costa estourou com ela, mas na voz do autor é muito superior) e 'O Leãozinho' nos mostram que Caetano pode ser competente e comercial ao mesmo tempo. Não existe canções fracas neste disco.


O último clássico de Caetano Veloso que me arrisco a citar aqui, é outro de seus discos que passaram quase desapercebidos: 'Muito (Dentro da Estrela Azulada)'.
Após o relativo sucesso de 'Bicho', todos esperavam uma continuidade na sequência de hits. A figura porém, nunca se impôs metas ou direções musicais. Assim, neste novo trabalho, surgem canções diferentes como 'Terra' - (participação brilhante de Sérgio Dias no sitar), um monólogo interessante sobre sua vida -, a  misteriosa 'Tempo de Estio', a quase gospel 'Muito Romântico', a poesia de Vinicius em 'Eu Sei que Vou te Amar' e sua contribuição para a mitificação de São Paulo em 'Sampa'!




Junto com 'Araçá Azul' este foi o disco menos vendido de Caetano, o que prova que o mundo é  mesmo injusto ou burro demais!
Nos anos 80, 'Velô', 'Uns', 'Outras Palavras' e outros trabalhos continuaram fazendo jus a fama de eterno camaleão de Caetano, mas fiquei com a impressão de que o melhor já tinha passado.
Estou sempre esperando ele me desmentir!
Enquanto isto vamos "Caetanear o que há de bom"!!




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