Há 10 anos o ex-Beatle George
Harrison deixava o nosso 'material world'. Sua obra e seu estilo de tocar guitarra porém, continuam cada
vez mais influentes. Aqui eu resumo um pouco do que foi a trajetória de um músico criativo, talentoso e espiritual.
George Harrison in the Material World - Música
e Sensibilidade
Tido sempre como um rapaz tímido e
introvertido, George era, ao contrário, para quem o conhecia bem, uma pessoa
alegre e brincalhona.
O caçula dos Beatles, ganhou essa
aura de ‘quieto’ graças a sua participação no filme ‘A Hard Day’s Night’ ( Os
Reis do Ié Ié Ié ), em que cada um dos rapazes ficaria estigmatizado com uma
personalidade distinta.
Harrison, foi considerado um
garoto jovem demais pelo líder John Lennon assim que foi apresentado à banda trazido
por Paul McCartney, mas logo demonstrou que como guitarrista não ficava devendo
nada a ninguém.
Em um primeiro momento ele foi
eclipsado pela constante disputa de poder entre Lennon e McCartney, além do que
a dupla compunha junto, o que obrigou George a também tentar compor, sob pena
de se ver relegado a um plano secundário dentro do conjunto.
A partir de 65, George se firma
como compositor e ganha espaço para pelo menos duas canções por álbum. São
dessa época as primeiras grandes composições de Harrison, como ‘I Need You’ e
‘Taxman’.
Surge em Londres nessa época o
músico indiano Ravi Shankar que viria a se tornar grande amigo de Harrison.
Nesse mesmo período, cansado de
seu trabalho com os Beatles, ele procura algo que dê mais sentido a sua vida.
George foi o primeiro dos rapazes a desejar o fim das exaustivas turnês da
Beatlemania.
Em janeiro de 66, George troca alianças com
Pattie Boyd, ex-modelo, que ele conheceu nas filmagens de ‘A Hard Day’s Night’.
Depois de algum tempo visitando a
Índia, onde aprendeu a tocar sitar com Shankar, George volta para as gravações
dos Beatles com novas e revolucionárias ideias. A partir de 1966 pode-se sempre
ouvir sons indianos nos álbuns da banda, mais notadamente nas canções de
George.
Quando a revolução musical dos
Beatles chegou ao auge com ‘Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band’, em 67, lá
estava Harrison presente com uma canção em que nenhum de seus parceiros de banda
participavam. Em ‘Within You Without You’, ouve-se apenas a voz inconfundível
de George junto á um grupo composto por músicos indianos.
George Harrison ainda não estava
satisfeito. Ele queria se descobrir como ser-humano. Queria saber o significado
da vida. E, mais uma vez, ele lidera os companheiros na sua procura por um
sentido espiritual para tudo o que estavam vivendo.
Após a morte do empresário Brian
Epstein, que os havia descoberto, Harrison conseguiu convencer todos os Beatles
a partir com suas famílias para Rishikesh, na Índia, onde fariam um curso de
Meditação Transcendental com o Maharishi
Mahesh Yogi, que naquele tempo de procura por mentores espirituais, era o guru
mais requisitado.
A experiência, apesar da
desconfiança geral com o guru, foi proveitosa. George conseguiu aprender as
bases da meditação, e esta prática o acompanharia pelo resto de sua vida.
Na volta aos estúdios de gravação,
os bons tempos estavam começando a ficar distantes dos Beatles. Durante as
gravações do ‘Álbum Branco’ em 1968,
a discórdia começou a minar os esforços da banda.
Harrison vai se afastando
progressivamente de seus companheiros, e pela primeira vez traz um convidado
famoso para uma sessão da banda. Seu amigo Eric Clapton é o primeiro músico de
renome a participar de uma música da banda e ter seu nome creditado. A canção
chamada ‘While My Guitar Gently Weeps’, foi o melhor trabalho de George até
então, e Clapton não deixou por menos, ao emendar um solo mágico de guitarra.
Apesar de todo o carisma da banda,
no inicio de 69 em um projeto de volta as raízes liderado por McCartney, George
se desentende de vez com seus colegas.
Já há algum tempo Harrison vinha
suportando a liderança ditatorial de Paul nas gravações e nos projetos dos
Beatles. Quando McCartney resolve criticar abertamente a maneira de George
tocar a guitarra justamente num momento de filmagem, este explode e abandona as
gravações.
George afasta-se por vários dias e
resolve voltar apenas para terminar os trabalhos já iniciados. Depois de um
show no telhado da Apple ficou-se com a impressão que nunca mais os Beatles
tocariam juntos.
Para desmentir os céticos, e
provar que eles ainda eram a maior banda do planeta, eles resolvem se despedir
em grande estilo. O disco ‘Abbey Road’ gravado em 1969, é sem dúvida nenhuma
uma chave de ouro para o final dos Beatles. E é justamente nele que George
surge com duas de suas melhores composições até então.
‘Something’, uma balada romântica
que sobreviveria ao teste do tempo e ‘Here Comes the Sun’, com solos
fantásticos de violão, sem falar nos vocais de George, fez todo mundo repensar
a participação de George na banda. Ali, no final de uma era ele mostrava que
tinha vindo pra ficar!
Ao mesmo tempo que trabalhava nos projetos dos
Beatles, e lia muito sobre a cultura oriental, George começava a dar os
primeiros passos da carreira-solo. Após compor a trilha sonora do filme
‘Wonderwall’, ele participa de uma turnê com a banda de Delaney & Bonnie
pelos EUA. Ainda em 69 compõe música experimental com sintetizadores e lança o
disco ‘Eletronic Sound’.
Em 1970 com a separação dos
Beatles consumada, George finalmente tem tempo e espaço para compor e terminar
suas canções que haviam sido deixadas de lado. Em sua residência campestre de
Friar Park onde havia se instalado com sua mulher Pattie, ele começa a
trabalhar naquele que ao final do ano seria considerado um dos melhores álbuns
de um ex-Beatle.
Requisitando a ajuda de músicos de
primeira linha como Clapton, Bob Dylan, Dave Mason, Ringo Starr, Jim Gordon e
Billy Preston, além da produção de Phil Spector, o que se viu foi um trabalho
grandioso.
Harrison comentou depois do
lançamento de ‘All Things Must Pass’, que estava com músicas demais na sua
cabeça e que tinha que colocá-las para fora. O jeito foi fazer um álbum triplo.
O primeiro da história!
Apesar do forte apelo espiritual
do disco, George conseguiu aquilo que talvez poucos esperassem dele: o sucesso
de público e de crítica.
O grande momento dos trabalhos foi
o hino ‘My Sweet Lord’, que seria eternamente ligada ao seu criador. Canções
como ‘Isn’t It a Pity’, ‘Behind that Locked Door’ e o rockão ‘What Is Life’ se
impõe por si só, e são testemunhas inegáveis do progresso de Harrison como
compositor.
Depois deste início arrasador de
carreira-solo, Harrison se envolveu com projetos dos artistas da Apple,
começando a produzir trabalhos para a banda Badfinger e Jackie Lomax.
Durante o ano de 1971, ainda envolvido em
processos pendentes da separação dos Beatles, e trabalhando no álbum ‘Straight
Up’ do Badfinger, George recebe a visita de seu amigo Ravi Shankar com péssimas
notícias. Bangladesh, país vizinho a Índia havia sofrido enorme devastação em
1970 por causa de um ciclone e chuvas torrenciais, além de uma guerra civil que
estava em pleno curso, obrigando milhares de desabrigados a procurar auxílio
nos países vizinhos.
Harrison parte para Nova Iorque e,
recorrendo a ajuda de vários músicos famosos, protagoniza em 01º de agosto, o
primeiro concerto beneficente da história. A resposta do público foi
fantástica, com a participação de mais de 40 mil pessoas, e toda a renda sendo
revertida para a carente população de Bangladesh.
George fez uma canção
especialmente para o evento, também chamada ‘Bangladesh’, e posteriormente um
álbum e um DVD do concerto seriam lançados, com toda sua renda até hoje sendo
enviada para uma fundação que George criou juntamente com a UNICEF.
Aos poucos, George foi se
envolvendo em projetos mais caseiros, deixando a música um pouco de lado. Em sua
casa em Friar Park,
ele leva uma vida tranqüila ao lado de sua esposa Pattie, que infelizmente não
pode ter filhos. Este talvez tenha sido o motivo de algumas discussões do
casal. Nesta época Eric Clapton, passou a ser um hóspede contínuo da casa, e
logo deixaria claro sua paixão por Pattie.
Seguindo em frente, George lança
em 1973 o álbum ‘Living in the Material World’, considerado por muitos
críticos, um dos melhores trabalhos de rock do ano. ‘Give Me Love’, single
extraído do álbum fez enorme sucesso.
Em 1974, o casal Harrison se
separa, e Pattie vai viver com Clapton. Nesse mesmo ano George faz sua única
turnê solo nos EUA. As apresentações aguardadas com grande expectativa pelos
fãs, foram um fracasso. Harrison queria basicamente apresentar as canções de
sua carreira solo. Quando a galera começou a exigir ás músicas dos tempos dos
Beatles, George perdeu a paciência. Ele começou a apresentá-las com os arranjos
totalmente modificados, entrando em conflito com o público ansioso por ouvi-lo.
Além disso, um problema crônico nas cordas vocais, impedia George de dar o
melhor de si como cantor.
O resultado foi que Harrison nunca
mais iria se comprometer com novas turnês.
Esta fase dos problemas vocais
coincide com o disco ‘Dark Horse’, o mesmo nome da nova companhia de gravações
de George. Apesar de alguns bons momentos, notadamente com ‘Simply Shady’ e ‘So
Sad’, o álbum não deslancha, em grande parte por culpa da voz rouca de
Harrison.
Nem tudo é tristeza para George,
porém. Durante as gravações ele conhece a secretária da Apple, a mexicana
Olivia Arias, com quem começa um relacionamento.
Nos últimos anos da década de 70,
George lançaria outros trabalhos desiguais. ‘Extra Texture’, apesar do hit
‘You’, foi uma fraca despedida da Apple.
Com ‘Thirty-Three and 1/3’,
Harrison pareceu reanimado, e obteve sucesso com a canção e o clip de ‘This
Song’. O clip era uma paródia comentando uma suposta prisão de George pelo
plágio da canção ‘My Sweet Lord’ de que fora acusado.
Em agosto de 78, George fica muito
feliz com o nascimento de seu filho com Olivia, chamado Dhani.
Para encerrar a década, ele lança
em 79 o álbum ‘George Harrison’, outro trabalho mediano que continha a sua
homenagem à Fórmula 1 – George era um grande fã de corridas – com a música
‘Faster’. Ele chegou a visitar o Brasil em fevereiro daquele ano para
acompanhar o GP de Interlagos. Sendo portanto, o primeiro Beatle a pisar em
terras tupiniquins.
Durante os últimos anos, George
vinha escrevendo uma auto-biografia. Ela acabaria sendo publicada em 1980, com
o título de ‘I Me Mine’, uma de suas músicas dos tempos dos Beatles.
Este livro, inicialmente publicado
em edição limitadíssima e a peso de ouro, foi pivô de um desentendimento de
George com John Lennon, que não gostou de ver seu nome citado pouquíssimas
vezes. De fato, todos os ex-Beatles, quase não apareciam, e o livro nem poderia
ser considerado uma auto-biografia séria, pois consistia em sua maior parte,
das letras originais da canções de Harrison. Não houve tempo para explicações.
Lennon seria assassinado no final do ano, e George ficaria terrívelmente
abalado com a situação.
Nos anos 80 após ter lançado dois
álbuns sem grande expressão, ‘Somewhere in England’ e ‘Gone Troppo’, Harrison
deu mais um tempo na música.
Já fazia algum tempo que ele vinha curtindo
sua vida familiar, viajando com Olivia e o pequeno Dhani, e agora ele queria
desfrutar pra valer de toda essa privacidade que lhe era negada no tempo dos
Beatles.
Além da meditação, sua outra paixão passou a
ser a jardinagem. George começou a fazer cursos avançados sobre o assunto, e
referia-se a si mesmo, como ‘apenas um jardineiro’ e músico aposentado. O único
passatempo que lembrava ainda os velhos tempos era o dedilhar de ukelêles ( uma
espécie de cavaquinho ), que George colecionava as centenas.
Quando em 1987 os rumores de um
novo disco de Harrison surgiram, todos ficaram surpresos. Finalmente ele
deixava o retiro e voltava à ativa. E o fez em grande estilo. O álbum ‘Cloud
Nine’ lançado no final daquele ano, foi nada menos que um dos melhores álbuns
de um ex-Beatle em muitos anos. Canções como ‘When We Was Fab’ –
surpreendentemente recordando os tempos da melhor banda do mundo -, ‘This Is
Love’, ‘Just for Today’, além da canção-título, estão entre as melhores obras
de Harrison. Arrematando o álbum, a cover de ‘Got My Mind Set on You’, bateu
recordes de venda e chegou ao nº 1 nos EUA.
Satisfeito com o sucesso do álbum
e a volta por cima, mas ainda em dúvida sobre a continuação de sua carreira na
música, George encontrou-se com os amigos Bob Dylan e Tom Petty. Desse encontro
surgiu a idéia de uma reunião para tocarem num estúdio caseiro. Com o acréscimo
de Roy Orbinson e Jeff Lynne, estava formado o super-grupo Travelling Wilburys.
Esta banda, lançaria dois trabalhos nos anos seguintes, com enorme sucesso.
Era tudo que George queria, ser
apenas mais um músico num grupo. Ele nunca gostara de ser o centro das
atenções.
Infelizmente, a morte de Roy
Orbinson, e o desejo de Dylan de continuar a carreira-solo fez com que a banda
se separasse.
Em 1991 o amigo Eric Clapton
insistiu para que George o acompanhasse numa turnê pelo Japão. Ainda receoso
das apresentações ao vivo, Harrison foi persuadido pela fama do povo japonês,
que era um dos mais fanáticos por Beatles em todo o mundo, e considerado pelos
músicos, a audiência mais bem educada do planeta.
Finalmente, o ex-Beatle se
apresentou para os enlouquecidos fãs japoneses em shows que fizeram história. Apresentando
praticamente todas suas canções antigas dos Beatles, juntamente com as mais
recentes, George foi ovacionado pelas multidões japonesas.
‘O álbum duplo ‘Live in Japan’,
lançado no ano seguinte, dá uma pequena amostra de como foram emocionantes as
apresentações de Harrison com a banda de Clapton.
Nos anos 70 e 80 George havia se
envolvido com cinema. Ele fundara a ‘Handmade Films’, empresa que participara
de várias produções do grupo Monty Python além de ‘Shangai Surprise’ com
Madonna e ‘Mona Lisa’ com a participação de Bob Hoskins - entre outros filmes
de sucesso. Quando a produtora entrou em
crise, as preocupações financeiras de Harrison vieram à tona.
Nesse momento, seu ex-parceiro
Paul McCartney surgiu com a ideia de um revival dos Beatles para os jovens dos
anos 90.
Porque os próprios Beatles não
poderiam contar sua história?
Ringo Starr e George toparam o
projeto intitulado ‘Beatles Anthology’, que incluiu 3 CDs duplos, uma caixa com
5 DVDs e um enorme livro em que os quatro – John através de suas entrevistas –
contavam sua versão da saga beatlemaníaca.
Após este novo fenômeno de vendas,
as finanças de George se estabilizaram e ele pode retornar aos seus afazeres de
jardineiro, deixando novamente a música de lado.
Quando tudo parecia tranqüilo para
a família Harrison, em 1998 George é diagnosticado com um câncer de garganta.
Infelizmente a doença não
respondeu ao tratamento.
Em 2000, George ainda participaria
do relançamento remasterizado de ‘All Things Must Pass’, seu primeiro álbum
solo.
Animado com o resultado, ele volta
a gravar, desta vez recrutando a ajuda de seu filho Dhani, então com 21 anos.
Não houve tempo para as conclusões
dos trabalhos.
Em 29 de novembro de 2001, George
nos deixou.
Suas últimas gravações,
finalizadas por seu filho Dhani e Jeff Lynne são lançadas em 2002 em seu álbum
póstumo ‘Brainwashed’, no qual as canções ‘Stuck Inside a Cloud’ e ‘Rising Sun’
resumem, com seus elegantes solos de slide e o vocal inconfundível, a obra
inesquecível de George Harrison!
3 comentários:
Texto bonito. Homenagem bonita!
Obrigado, Debora! Depois ,me dei conta que antecipei um pouco. Nunca penso em termos de 'homenagem', é só uma lembrança pra algumas pessoas que gostam de música, não esquecerem de um cara muito importante como o George, neste caso! Valeu!!
Bem, pra mim não deixa de ser uma 'homenagem', hehe...
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