Total de visualizações de página

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Os Stones Exilados


              
Em 1971/72, os Stones estavam num mato sem cachorro: sem grana e sem pátria. Detalhes a seguir.


No final dos anos 60, depois de toda uma década repleta de sucesso, inacreditavelmente  os Rolling Stones estavam quebrados.

Após um começo hesitante, em 1963, os carinhas foram pegando o jeito em mega-hits como ‘(I Can’t Get No) Satisfaction’ e álbuns marcantes da estatura de ‘Aftermath’, ‘Beggar’s Banquet’ e ‘Let It Bleed’.
Era de se esperar que estivessem no mínimo ricos!
Infelizmente, seu empresário era ninguém menos que Allen Klein, aquele mesmo que tempos depois deixaria sua marca nefasta nas finanças dos Beatles.
Klein, simplesmente ao final de seu contrato com os Stones, ganhou o direito sobre todas as canções da banda até então, que passaram a ser publicadas pela sua companhia, a famigerada ‘ABKCO Records’.
 Mick Jagger e seus companheiros tiveram que abrir mão de seu catálogo de sucessos para se livrarem do esperto empresário.
Para complicar mais a situação, o fisco britânico cobrava taxas astronômicas sobre os ganhos da banda, fazendo com que dentro de pouco tempo, nossos heróis fossem obrigados a deixar o país ou ficariam devendo dinheiro para a Rainha!

Musicalmente, já a partir de 1968 houvera uma mudança de direção da banda. O produtor de longa data, Andrew Loog Oldham fora dispensado após vários atritos com Mick e Keith. O escolhido para substituí-lo, Jimmy Miller, trouxe uma nova energia criativa para os rapazes, energia esta que já se fez presente em ‘Beggar’s Banquet’.


Ao mesmo tempo que Miller dava novo ânimo à banda, um dos fundadores do grupo, o guitarrista Brian Jones, encontrava-se submergido em problemas emocionais, sentimentais e físicos.
 Sua namorada, a atriz italiana Anita Pallenberg, havia acabado de trocá-lo pelo seu companheiro de banda, Keith Richards, durante uma viagem ao Marrocos em que Jones ficara hospitalizado.
Além disso, Brian também sofria com sua dependência de drogas e álcool, e, como conseqüência disto, suas várias prisões e hospitalizações.
Chegou um momento durante as gravações do álbum ‘Let It Bleed’ em que Brian acabou se tornando uma figura decorativa no estúdio, isto quando comparecia aos compromissos.
Não houve outro jeito. Brian Jones foi afastado da banda, devido a sua incapacidade de tocar e de se relacionar com seus colegas.
Não houve tempo para reflexões sobre a saída de Jones da banda. Menos de um mês após sua demissão ele foi afogado pelo seu mestre de obras na piscina de sua mansão perto de Londres.


O escolhido para substituir o Stone que partiu mais cedo foi o menino-prodígio da guitarra, Mick Taylor, egresso do John Mayall’s Bluesbreakers.
Taylor tinha um estilo bem diferente de seu antecessor.
Se Brian era aquele músico que poderia tocar qualquer instrumento, da cítara ao tambor, da gaita de boca ao saxofone, Taylor concentrava todo o seu talento na guitarra solo. Foram dele alguns dos mais belos solos de guitarra durante o período de cinco anos em que acompanhou os Stones, e que provavelmente nunca serão igualados.
Por outro lado, Taylor era um rapaz tímido, sendo facilmente ofuscado por Jagger e Richards na banda, ficando relegado a um papel secundário de coadjuvante de luxo.


Com esta nova formação, os caras enfrentam os estúdios em 1970, e saem dele com um produto enxuto que abriria a porta dos anos 70 para a banda.
‘Sticky Fingers’, lançado em 71, era o primeiro disco pelo selo ‘Rolling Stones Records’ (selo imortalizado por uma boca com a língua para fora) . 


Agora, finalmente livre de Allen Klein, os Stones se sentiam renovados, e isto se refletiu no álbum. Com o som se tornando mais denso, e motivados pelo virtuoso Taylor, - que dirigia solos intermináveis de guitarra - , todos deram o máximo de si neste produto que atingiu o mercado como uma bomba.

Veio então o exílio!
Keith Richards, sabia que não havia opções. Os Stones teriam que ir embora de seu país ou toda a carreira da banda até ali não teria valido nada. Neste mesmo momento conturbado, Mick Jagger se apaixona pela modelo nicaragüense Bianca Perez Macias.
Houve uma comoção no Reino Unido. Os filhos rejeitados estavam deixando o seu lar, e Jagger iria casar com uma estrangeira. Após algumas gravações em ‘Stargroves’, casa de campo de  Jagger, nos arredores de Londres, os Stones partiram.


Richards, o mais à vontade naquela situação, logo escolheu o sul da França para se instalar, levando consigo sua mulher Anita e o filho Marlon, de 3 anos.
Ele alugou uma mansão enorme, mais parecida com um palácio, tendo inclusive um píer nos fundos da casa onde Keith poderia dar seus passeios de iate.

 Nellcôte, o nome do lugar, já havia sido palco para diversos acontecimentos grandiosos, e inclusive, segundo a lenda, foi um QG de oficiais nazistas na segunda guerra mundial, o que não parecia absurdo visto ás suásticas desenhadas nas paredes do porão da casa.
Mas nada se compararia ao glamour de ser residência de um Rolling Stone de verdade!


Os outros Stones se espalharam pelos lugarejos do sul, enquanto Mick Jagger se hospedava com Bianca, grávida, em Paris.
Determinados a recuperar o terreno perdido, o séquito da banda, começou a procurar estúdios de gravação. Nada feito! Não havia nenhum lugar com o mínimo de condições para as gravações.
Como último recurso, de modo que não precisassem mudar-se para outro país novamente, Keith começou os ensaios em sua própria mansão.


O mais complicado foi a logística. Taylor e o baixista Bill Wyman estavam hospedados a poucos minutos de Nellcôte, mas Charlie Watts estava numa cidade à duas horas de distância e Jagger precisava alugar um jatinho em Paris para participar das sessões.
Assim que puderam, os caras mandaram vir de Londres seu estúdio móvel de gravação: um caminhão-trailer gigante, que foi estacionado no jardim e conectado por enormes cabos ao ‘estúdio de gravação’: os porões da mansão!


Nestas precárias condições, ensaiando e gravando em um porão sujo, úmido e mal iluminado, com um calor insuportável, é impressionante constatarmos como eles conseguiram registrar música de qualidade.
As sessões eram aleatórias. Num certo momento durante a tarde Keith acordaria e iria almoçar. Logo o produtor Jimmy Miller se reuniria a ele e ambos desceriam ao porão para começar os ensaios. Bill e Mick Taylor também apareceriam já no final da tarde e o processo se intensificaria.
Para finalizar uma canção, eles eram obrigados a esperar que Jagger se fizesse presente, o que era uma incógnita, sempre.

Além dos convidados para tocar no álbum, como o pianista Nicky Hopkins, o trumpetista Jim Price e do velho amigo Bobby Keys, outros convidados-surpresa apareceram.
Certamente o mais notório deles acabou sendo Gram Parsons e sua esposa Gretchen.
Parsons, o gênio do country-rock, que tinha deixado sua banda, os ‘Flying Burrito Brothers’,  tornou-se um hóspede semi-permanente na mansão de Nellcôte. Amigo de Keith já há alguns anos, os dois varavam a noite tocando música country após começarem a dedilhar os violões cedo da tarde. Alguns juram inclusive que Gram Parsons participou das gravações oficiais, tendo deixado sua marca nos vocais de apoio em ‘Sweet Virginia’, o petardo country do disco.

Havia, claro, excessos de ambos. Numa noite particularmente azarada, ambos não notaram quando um grupo – conhecidos traficantes do lugar -  invadiu a casa e apossou-se de vários instrumentos musicais, saindo sem pagar ou ser notados.

Outro ‘invasor’ – este ao menos amigo - foi Stephen Stills, do grupo ‘Crosby, Stills & Nash’, que também protagonizou noitadas históricas no lugar.
Quem não via isto com bons olhos era Mick Jagger, sempre preocupado com o lado profissional da banda.
Stills, logo seria posto no olho da rua, e, Parsons, mais tarde, também seria convidado a se retirar, para que os Stones cumprissem seus prazos contratuais com a gravadora. 


Conseguindo controlar seus excessos, Keith começou a procurar uma certa coesão entre os mais chegados ás sessões noturnas de Nellcôte, que incluíam Mick Taylor, o produtor Jimmy Miller, o saxofonista Bobby Keys e o engenheiro Andy Johns.
O baterista Charlie Watts, apesar de sempre presente não comungava dos mesmos gostos festeiros dos parceiros.
Bill Wyman ausentava-se seguidamente, devido ao ambiente pesado da mansão, obrigando Taylor e Richards a muitas vezes assumirem o baixo.
 Jagger aparecia somente para colocar os vocais em algumas canções quase acabadas e retornava a Paris para os braços de Bianca.


É surpreendente a qualidade de algumas canções que conseguiram emergir daquelas sessões sombrias. Destaca-se especialmente a música de Keith ‘Happy’, em que ele parece ter sonhado com a melodia, e ao acordar, correu para o porão, e  com a ajuda de Jimmy Miller na bateria e Bobby Keys no sax, a finalizou ali mesmo. Outra pérola destilada em Nellcôte foi ‘Shine a Light’, um trabalho em equipe da dupla Jagger-Richards.
A maioria das canções do álbum seriam começadas em Nellcôte e mais tarde finalizadas  em Los Angeles, entre elas o poderoso riff que abre o disco de ‘Rocks Off’, a estranha ‘Casino Boogie’ e a parceria de Keith e Mick com Taylor na deliciosa ‘Ventilator Blues’, que parecia ser uma homenagem ao único ventilador presente naquele porão mormacento.

O verão estava terminando. Em meados de setembro os Stones começaram a flexionar seus músculos. A barra também havia ficado muito pesada na França. Corriam boatos de uma prisão em massa dos moradores festeiros e encrenqueiros. Era hora de partir para respirar outros ares. Logo a banda viajaria para os EUA para encerrar o projeto ‘Exile on Main Street’.

Depois de mais um trabalhoso processo de finalização das gravações em Los Angeles, e das mixagens finais, finalmente os Stones conseguiram lançar o álbum em maio de 1972.
Apesar – ou talvez justamente por isso - da sua sonoridade pesada, complexa e rica em ritmos exóticos, os Rolling Stones chegaram ao nº 1 nas paradas.
Houve uma certa parcela da mídia, e dos próprios fãs da banda, que levaram muito tempo para assimilar o álbum. O resultado é que até hoje, ele é considerado um dos trabalhos mais instigantes do rock em todos os tempos.


Sem dúvida, o exílio na França contribuiu para que os Stones pudessem sobreviver como banda, e a partir desse fato alçar novos vôos, que seriam determinantes para seu domínio dos palcos mundiais até nossos dias.  

2 comentários:

Debbie disse...

Vai escrever bem assim na Rolling Stone!! Excelente, Dado!!

Eduardo Lenz de Macedo disse...

Hehehe, olha que eu acredito, Debbie!!! hehehe!!