Na distante década de 70 em uma daquelas madrugadas perdidas, provavelmente depois de uma boate no ATC, eu chegaria em casa e ligaria a TV e assistiria algum filme na Sessão Coruja ou Sessão da Madrugada! Muitos filmes me chamariam a atenção, mas um em particular eu nunca esqueci: 'A Dança dos Vampiros'!! Uma loira de tirar o fôlego - Sharon Tate - estrelava essa produção dirigida pelo cineasta - e seu futuro marido - franco-polonês Roman Polanski! Também participava o ator-humorista Jack Macgowran e o próprio Polanski como ator. O filme era uma sátira sensacional aos filmes de vampiros, e apesar de não ter feito sucesso na época do lançamento (1967), anos depois virou um 'cult-movie'.
Nos anos que se seguiriam passei a procurar todos os filmes que Polanski tinha dirigido, inclusive seus curtas do início da carreira na Polônia. Considero sua obra, apesar de alguns filmes menores, a mais instigante e provocadora de um diretor de cinema. Sempre gostei muito também dos filmes de John Cassavetes (trabalhou com Polanski em 'O Bebê de Rosemary'), mas aí já é uma outra história.
Tudo isso para dizer que recebi agora o livro 'Polanski - Uma Vida' de Christopher Sandford. Ainda não posso falar nada sobre ele, mas parece legal. Claro, que não ousaria dizer que pode se comparar a autobiografia de Roman publicada nos anos 80, mas vai valer como curiosidade!
Em 2008 eu escrevi um texto para o 'Diário de Santa Maria' quando Polanski completou 75 anos. Dei uma boa resumida na carreira dele, e em sua vida pessoal, que muitas vezes se confundem. Sei da personalidade conflituosa e complexa do Mestre e que muitos o consideram apenas um estuprador, - graças, claro, a cobertura sensacionalista e desinformada da imprensa no caso de Los Angeles.
Não conheço outra pessoa que tenha passado por tudo que ele passou, e ainda assim seguir em frente.
De sua obra, que é o que me interessa, posso citar alguns filmes que considero brilhantes: 'Armadilha do Destino', 'Macbeth', 'Chinatown' e 'A Faca na Água'. Eles estão entre os melhores filmes que já vi.
Abaixo o texto do 'Diário... Até o próximo, Mestre!
ROMAN
POLANSKI - CENAS REAIS
Um dos maiores diretores de cinema ainda em atividade,
Polanski é igualmente conhecido pela sua magnífica obra e suas tragédias
pessoais.
Roman nasceu em Paris, filho de pais poloneses, ele
passaria sua infância em Varsóvia onde sua mãe seria uma vítima do holocausto. Polanski
consegue sobreviver buscando abrigo junto a amigos e parentes durante a segunda
guerra mundial.
Roman Polanski cedo se interessa por fotografia e filmagens
e cursa a Escola de Cinema de Lodz, onde conclui os estudos em 1959. Neste
mesmo ano ele se casa com a atriz polonesa Barbara Kwiatkowska.
Após vários curtas de sucesso como ‘Dois Homens e Um
Guarda-Roupa’, ‘Quando os Anjos Caem’, ‘O Gordo e o Magro’ e ‘Mamíferos’, ele
consegue rodar seu primeiro longa na Polônia chamado ‘A Faca na Água’. Lançado
em 1962, é um interessante estudo psicológico de 3 pessoas convivendo em um
pequeno barco.
Na França em 1964,
conhece aquele que viria a ser seu roteirista em vários filmes, Gérard
Brach, e consegue um acordo com a produtora de cinema “Compton Group’. A quatro
mãos, ele e Brach, escrevem o roteiro de ‘Repulsa ao Sexo’ que viria a ser seu
primeiro filme falado em inglês, com a participação da então iniciante atriz
Catherine Deneuve.
Apesar de ser o seu filme que menos o agradou tecnicamente,
Polanski conseguiu notoriedade com esse drama de terror psicológico muito à
frente de seu tempo.
Já separado de sua primeira mulher, Barbara, em 1965, ele parte para
Holy Island na Inglaterra, onde roda um de seus melhores trabalhos, o
pouco conhecido do público, ‘Armadilha do Destino’ que viria a ser um dos mais
influentes filmes para uma geração inteira de cineastas. Os movimentos de
câmera são inovadores para a época, e a trama, tendo como pano de fundo um
castelo claustrofóbico, é uma mistura de humor e tragédia, o que sempre foi uma
marca de seus filmes e de sua vida. Muito
justamente ele seria premiado com o ‘Urso de Ouro’ de melhor filme em Berlim,
1966.
No final desse ano, Roman começa a escrever com Gérard
Brach um roteiro sobre vampiros. Na verdade ‘A Dança dos Vampiros’ se tornaria
uma paródia e um de seus filmes mais cultuados. Para atriz principal lhe é
sugerido o nome de Sharon Tate, uma americana que fazia pontas em séries de TV.
Ele não apenas a contrata, como também se apaixona por
Sharon. Eles se casariam em janeiro de 1968.
Faltava para Polanski um grande sucesso comercial, e ele
viria com o filme ‘O Bebê de Rosemary’, baseado no livro de Ira Levin. Foi seu
primeiro filme em Hollywood, e as locações foram quase todas feitas no sinistro
Dakota Apartments em Nova Iorque.
Destaque para a magistral atuação de Mia Farrow, como a dona
de casa que teve um bebê com o demônio.
Outra marca de Roman é o cuidado com a trilha sonora. Seu amigo de longa
data, o músico polonês Komeda, compõe duas canções de ninar belíssimas para a
interpretação da própria Mia Farrow, que acrescentam ao filme um efeito hipnótico.
Após o imenso sucesso de ‘O Bebê de Rosemary’, ele decide
descansar e aproveitar a vida doméstica. Sua esposa Sharon engravida, e ele
resolve fixar residência nos EUA.
Após as férias, ele é obrigado a viajar para Londres a fim
de trabalhar em um novo roteiro, pouco antes da data prevista para o nascimento
de seu primeiro filho.
Em agosto de 1969
a tragédia se abate novamente sobre Roman Polanski. Sua
mulher Sharon Tate, grávida de oito meses, e mais 4 amigos são brutalmente
assassinados pela infame gangue do maníaco Charles Manson, em sua casa de Los Angeles.
Muito tempo depois, Roman diria que a morte de Sharon foi o
único divisor de águas em sua vida. A partir daquele momento sempre que
estivesse se divertindo ele se sentiria culpado.
Indeciso sobre o que fazer, Polanski busca a saída no
trabalho, e resolve adaptar ‘Macbeth’ de William Shakespeare para o cinema.
Trabalhando em Londres com Kenneth Tynan no roteiro, eles produzem uma das
versões mais acessíveis de Shakespeare, passando longe dos clichês teatrais
presentes nas versões de Orson Welles e Akira Kurosawa.
Em 1972, ele fixa residência em Roma, onde roda seu filme
mais obscuro, a comédia ‘Que?’, com Sydne Rome e Marcello Mastroianni. Um
fracasso comercial.
Precisando recuperar o prestígio, Polanski resolve
relutantemente aceitar o convite de Jack Nicholson e voltar a Los Angeles, onde
tudo lhe lembrava a tragédia. Instalado na casa de Nicholson, Roman é
presenteado com um exemplar do livro ‘Chinatown’ de Robert Towne. Ele e Jack
resolvem imediatamente unir esforços e fazer uma versão para o cinema.
‘Chinatown’ ficaria conhecido como um dos mais belos
thrillers já realizados, - teve várias indicações ao ‘Oscar’, inclusive tendo
ganho o de melhor roteiro – e como uma
das melhores atuações de Jack Nicholson no cinema. O sucesso de crítica
e comercial foi imediato e estrondoso.
De volta à França em 1976, ele resolve dirigir e atuar
naquele que seria o aclamado Cult-movie, ‘O Inquilino’, em que ele interpreta o
papel de um tímido bancário que passa a ter alucinações com a moradora anterior
do imóvel. Muitos consideraram esta obra a última de uma ‘trilogia dos
apartamentos’ seguindo os passos de ‘Repulsa ao Sexo’ e ‘O Bebê de Rosemary’.
Novamente nos EUA no início de 1977, Roman é contratado
para fotografar adolescentes para a revista ‘Vogue’, o que acaba gerando uma
grande confusão, incluindo um processo contra si por ‘intercurso sexual ilegal’
de uma garota de 14 anos.
Polanski é obrigado a se declarar culpado para evitar danos
maiores à menina, e é sentenciado a um período de no máximo 3 meses para
avaliação psicológica numa penitenciária em Los Angeles. Após 42 dias ele é
libertado e imagina poder continuar vivendo normalmente nos EUA, quando o juiz,
- em uma reviravolta do caso, pressionado pela mídia e a opinião pública -
pensa em mandá-lo novamente para a prisão por tempo indeterminado.
Ele então abandona a América, fugindo para Paris, ficando
impossibilitado de regressar aos EUA, pois seria preso ao desembarcar.
Até hoje o caso é
polêmico, mas Polanski sempre jurou inocência e recebeu o apoio de amigos como
Jack Nicholson e Harrison Ford.
Após a encrenca em Los Angeles, Roman mergulha novamente no trabalho
e resolve adaptar o romance de Thomas
Hardy, ‘Tess dos Urbervilles’. O filme - a produção mais cara até então a ser
realizada na França - marca a estreia de
Nastassja Kinski em um papel de destaque. Ela então com apenas 17 anos
seria alçada a condição de estrela.
‘Tess’, foi um grande sucesso, apesar da longa e difícil
filmagem. O filme levou o ‘Oscar’ de melhor figurino, direção de arte e
fotografia.
Um antigo roteiro escrito por Polanski e Brach - ‘Piratas’ -
feito com a ideia de ter Jack Nicholson no papel-título, é reformulado e
filmado com Walter Matthau como o perverso ‘Captain Red’! Uma sátira
sensacional de Polanski aos filmes de piratas e que seria muito imitada,
inclusive em filmes atuais como ‘Piratas do Caribe’.
‘Busca Frenética’ une Roman e seu amigo Harrison Ford num
thriller em homenagem a Hitchcok, e é quando sua atual mulher Emanuelle Seigner
faz sua estreia no cinema.
‘Lua de Fel’ lançado em 1992, com a participação de Hugh
Grant e também de Seigner, é considerado
um de seus melhores filmes. Houve até quem descobrisse um paralelo da vida –
principalmente sexual - de Polanski com o personagem de Grant.
Em 1994 estreia ‘A Morte e a Donzela’, um filme sobre
torturados políticos, tendo como cenário um país sul-americano libertado de uma
ditadura sangrenta, estrelando Sigourney Weaver e Ben Kingsley.
No final da década, Polanski volta a brincar com o
sobrenatural e lança o pouco inspirado ‘O Último Portal’ com Johnny Depp.
No ano de 2001, Polanski resolve finalmente enfrentar o
fantasma de sua infância e começa a filmar o holocausto baseado no livro de
Wladyslaw Szpilman.
‘O Pianista’, lançado em 2002, é para muitos a sua obra
prima. Foi difícil esta revisita ao passado, mas ele venceu a batalha. O filme
conta todo o horror da ocupação nazista num gueto de Varsóvia, habitado por um
sensível e brilhante pianista, que perde toda sua família.
Além da ‘Palma de
Ouro’ de melhor filme em Cannes, o filme ganha 3 “Oscar’. Melhor ator para
Adrien Brody, melhor roteiro adaptado, e, finalmente, o de melhor diretor para
Polanski, que não podendo comparecer a cerimônia da Academia, recebeu seu
prêmio em Paris das mãos de Harrison Ford.
Seu último trabalho lançado foi ‘Oliver Twist’. Apesar da
bela fotografia e cenários majestosos, foi apenas uma pálida imagem da grande
obra de Charles Dickens.
Polanski aos 75 anos, está mais ativo do que nunca. Após
desistir do projeto do filme ‘Pompéia’, ele prepara para setembro deste ano o
começo das filmagens de ‘The Ghost’. O filme será sobre um ‘ghost writer’ –
escritor que recebe para escrever um trabalho, mas que normalmente não tem seu
nome creditado - contratado para escrever as memórias de um ex-primeiro
ministro inglês.
Sempre uma pessoa polêmica, despertando ao mesmo tempo
admiração e repulsa, o certo é que Roman
Polanski soube superar todos os obstáculos e é simplesmente impossível ficarmos
impassíveis quando assistimos a qualquer uma de suas obras.
Publicado no Diário
de Santa Maria em 16 de Agosto de 2008.
*Nota do Autor
*Em setembro de 2009
cumprindo mandado de prisão expedido pelos EUA, ainda referente ao caso do intercurso sexual ilegal em Los Angeles na década de 70, Roman Polanski é preso pela
polícia ao desembarcar na Suíça, vindo da França para receber um prêmio por sua
obra.
Uma longa batalha
judicial tem início. Ele é solto sob fiança dois meses depois e obrigado a cumprir prisão
domiciliar em seu chalé na Suíça, até julho de 2010, quando foi libertado pelas
autoridades suíças que negaram o pedido de extradição aos EUA.
Em 2010 seu filme
‘The Ghost Writer’ – que Polanski terminou a pós-produção na cadeia – tem
sua estreia nos cinemas, com as participações de Ewan McGregor e Pierce Brosnam.
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