No dia 01º de agosto de 1971, George Harrison protagonizou o primeiro concerto beneficente da história do rock, para ajudar Bangladesh, país vizinho da India, a pedido de seu amigo Ravi Shankar.
Apesar de todos os problemas legais que dificultaram a chegada do que foi arrecadado ao povo de Bangladesh, o esforço de George e de seus amigos não pode ser menosprezado.
Artistas como Bob Dylan, Leon Russell, Eric Clapton, Ringo Starr, Billy Preston, Jim Keltner, Klaus Voormann, Carl Radle, Jim Price, Don Preston, Jesse Ed Davis e a banda Badfinger, deram o melhor de si em duas apresentações fantásticas, que ficaram para sempre na memória de quem presenciou este show inesquecível ou assistiram o filme na época, ou mais recentemente pode assisti-lo em DVD.
Acrescento aqui o texto que escrevi para o livro 'Alto & Bom Som'!
O Concerto Para Bangladesh
O
primeiro concerto beneficente da história foi organizado em agosto de 1971, por
George Harrison.
George
havia sido procurado por seu amigo, o músico indiano Ravi Shankar, que pediu
ajuda para Bangladesh, assolado em 1970 por um ciclone e chuvas torrenciais,
além de uma luta armada que levava milhões de refugiados a procurar abrigo nos
países vizinhos.
Harrison
disse que ajudaria da maneira que pudesse e procurou os músicos e amigos
próximos a fim de organizar um evento cuja renda reverteria para o carente país
asiático.
Determinado
a cumprir a promessa feita ao amigo, George parte para Nova Iorque, onde
consegue reservar a data de 01º de agosto no Madison Square Garden para o
evento.
A participação
dos convidados foi um problema delicado para George resolver.
Dois de
seus grandes amigos tinham diferentes razões para não comparecer. Eric Clapton
vivia o auge de seu vício em heroína, causado pela rejeição de seu amor –
ironicamente - por Pattie Harrison, esposa de George. Mas Clapton mesmo com
todos os seus problemas físicos e psicológicos e com todas as razões do mundo
para não comparecer, confirmou a sua presença.
O outro
convidado problemático era Bob Dylan, que não se apresentava ao vivo havia
muito tempo e não gostava de participar
de projetos do gênero.
Sua participação
ficaria em suspense até a última hora.
O
terceiro problema – e talvez o mais complicado – era reunir no palco aquela
banda que todos queriam ouvir de novo, os Beatles.
George
sabia que seria difícil reuni-los - mesmo que eles não se apresentassem como grupo,
apenas como artistas individuais – mas a
realidade foi mais dura.
Ringo
Starr não causou problemas, e logo disse sim ao amigo.
Já Paul
McCartney, após muitas negociações e apesar de estar passando por Nova Iorque
na época, disse não ao ex-parceiro.
Os
Beatles estavam em meio a um processo legal de dissolução, impetrado pelo
próprio McCartney contra seus três ex-parceiros de banda. Como os outros não
haviam liberado Paul de seu contrato com a Apple e a briga nos bastidores
continuava a todo vapor, Paul declarou que se sentiria um hipócrita subindo ao palco com os
ex-companheiros.
Ainda
havia John Lennon que se prontificou a comparecer e viajou de Londres a NY, acompanhado de Yoko Ono, dias antes do concerto.
Para desespero de George, Lennon chega aos ensaios acompanhado de Yoko e certo
de que ela também era convidada a subir ao palco.
Para a
surpresa de John, George vetou a participação da mulher-dragão. Um irado John Lennon abandonou os ensaios e
voou direto para Londres, tão enlouquecido que ‘esqueceu’ Yoko no hotel!
O
concerto em si consistiria de duas apresentações, a parte da tarde e a noturna.
Os ensaios foram intensificados na última semana, ainda sem a presença de
Clapton e de Dylan – cuja participação no concerto ainda era uma incógnita.
Finalmente,
no dia 1º de agosto, eles sobem ao palco do Madison Square Garden, para duas
apresentações.
A
abertura nada
convencional do evento coube a Ravi Shankar com sua cítara, e acompanhado de outros músicos indianos. Em seguida, Ravi agradece a George, e toca a
música Bangla Dhun, que serviu de
introdução para o concerto que se seguiria.
George
entra em cena vestido com um terno branco e ataca com a agitada Wah-Wah, levando a plateia ao delírio,
acompanhado por Leon Russell e Billy Preston nos teclados, Ringo e Jim Keltner
na bateria, Klaus Voorman e Carl Radle no baixo, mais Eric
Clapton e Don Preston nas guitarras. A banda inglesa Badfinger, contratada da
Apple, também participou tocando violões e percussão e os metais foram
comandados por Jim Price.
O álbum
“All Things Must Pass”, de Harrison, ainda estava presente na memória de todos
e não poderia faltar o hino My Sweet Lord,
seu maior sucesso.
Outra
pérola escondida de George, a vigorosa A Waiting
on You All,vem a tona com a banda pegando junto.
Comprovando
que o concerto era um esforço conjunto dos amigos, Harrison cede o spotlight
para Billy Preston, que detona com seu sucesso That’s The Way God Planned It, com direito a uma dança improvisada
no palco, levando a galera à loucura.
O velho
chapa Ringo Starr comparece com seu hit do momento It Don’t Come Easy, deixando claro seu carisma ao ser ovacionado
pela multidão.
Beware of Darkness de George traz o brilhante
vocal do tecladista Leon Russell, sem dúvida um dos participantes mais ativos
do show.
Como se
tornaria normal, em cada apresentação de um ex-Beatle após a separação, o
público ficava esperando pelas músicas antigas da banda. George nunca gostou de
ter que reprisar essas canções, mas neste concerto ele fez uma exceção, e canta
While My Guitar Gently Weeps de
maneira emocionante, acompanhado pela guitarra de Eric Clapton.
Uma das
grandes ausências “presentes” no concerto, foi a tímida participação
de Clapton, seja solando ou cantando. Parece que infelizmente o ‘Deus’ da
guitarra não se encontrava mesmo em condições físicas de fazer mais. De qualquer forma, ficou registrada sua
presença, e acima de
tudo o esforço do músico em ajudar o amigo numa hora tão
importante.
Leon
Russell volta à carga com o medley Jumpin’
Jack Flash, dos Stones, e Young Blood,
indiscutivelmente um dos momentos mais cativantes
da noite. Ao lado de Russell, os vocais de apoio de Harrison e Don Preston caíram como uma luva no arranjo da canção.
Na
sequência, para encerrar a primeira parte do concerto, George recupera outra
Beatle-song, a delicada Here Comes the
Sun, na qual ele chama ao palco o integrante do Badfinger, Pete Ham para um
belo dueto no violão.
Harrison
a certa altura do show foi informado que Bob Dylan encontrava-se nos bastidores
e finalmente decidira participar. Para emoção de todos os presentes no Madison
Square – inclusive dos próprios músicos no palco – Dylan surge em excelente
forma, convocando George e Leon Russell para uma versão de A Hard Rain’s a-Gonna Fall.
O
americano mostra-se
receptivo e entusiasmado como há muito tempo não se via, e suas versões de Mr. Tambourine Man e Just Like a Woman colaboram para tornar
a tarde/noite inesquecível.
Não
poderia faltar Blowin’ in the Wind, a
música que tinha se tornado um hino para a geração dos anos sessenta.
Para o
encerramento dos trabalhos, George convoca todos os amigos ao palco para
participar daquela que talvez seja sua melhor composição, a inesquecível Something, cantada de forma apaixonada.
O
concerto termina com todos juntos apresentando a canção Bangladesh, composta por George especialmente para o evento.
Toda a
arrecadação do concerto foi imediatamente destinada às vítimas do ciclone em Bangladesh. Mas a
quantia seria irrisória diante do que se arrecadaria com o pacote do álbum que
seria colocado a venda no início de 1972.
Acontece
que George queria que as companhias fizessem o lançamento do álbum pelo custo,
para que mais recursos fossem arrecadados. Além disso, músicos de várias
gravadoras estiveram nos concertos, o que complicou as liberações de suas
participações em um disco de uma empresa concorrente.
A
situação custou muito tempo para se resolver, e deixou George Harrison
amargamente decepcionado.
Trinta
anos depois, em seus últimos dias, George teve a alegria de saber que um novo
pacote comemorativo do concerto iria ser lançado, incluindo um DVD histórico.
Outros
concertos beneficentes também fariam história nas décadas seguintes, mas
Bangladesh ficará sempre na nossa memória como o primeiro esforço conjunto de
nossos ídolos em busca de um mundo melhor e mais justo.
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