Like a Rolling Stone – Shine a Light*
Quando aqueles garotos de Richmond se encontraram na parada do ônibus descobriram que tinham algo em comum: o amor pelo blues e a idolatria a figuras como Howlin' Wolf, John Lee Hooker, Chuck Berry e Muddy Waters.
Foi assim, curtindo esses caras, que Mick Jagger, Keith Richards e Brian Jones – que depois incorporaram Charlie Watts e Bill Wyman à banda – iniciaram, junto com os Beatles, uma nova era na música popular contemporânea.
No início, os Stones "copiaram" o estilo dos blueseiros norte-americanos. Nada para se envergonhar. Seu primeiro single - Come On, composto por Chuck Berry e lançado em junho de 1963, não emplacou.
Em 1964, com a ajuda dos Beatles, alcançam as paradas com a canção I Wanna Be Your Man, de Lennon & McCartney.
Porém, pouco a pouco, eles foram criando seu estilo próprio, influenciados, principalmente, por Brian Jones, indiscutivelmente o mais fanático por blues na banda e que não admitia um disco sem suas raízes.
Brian era o instrumentista mais completo dos Stones, sempre se sentindo à vontade na guitarra, harpa, sitar ou saxofone, com destaque para sua harmônica, que criava um clima especial nas gravações. Seus solos, nos primeiros álbuns da banda, são perceptíveis em quase todas as faixas. Nessa época, Brian liderava a escolha de repertório do grupo, quando Mick e Keith ainda não compunham pra valer.
Segundo reza a letra de uma canção de Muddy Waters, ‘pedras que rolam não criam limo’ – daí a inspiração do nome da banda. Com esse mantra em mente, os Stones entraram na onda psicodélica dos anos 60, mudando seu estilo e quebrando a cara com o disco “Their Satanic Majesties Request”. Reconhecendo o desastre, os caras voltaram correndo para o blues, que os tinha feito mais conhecidos - e mais ricos - que seus ídolos.
Com “Beggar's Banquet”, os Stones tentaram voltar às origens, mas o mal já estava feito, e Brian Jones, que tinha lutado contra a mudança de rumo na banda, e estava enfraquecido mental e fisicamente pelo consumo de drogas e prisões, deixa o grupo. Um mês depois, o músico foi encontrado morto boiando em sua piscina.
Este efeito da saída de Brian - mesmo com a guitarra tecnicamente brilhante de Mick Taylor entrando em cena - nunca foi compensado.
Mick e Keith, também enfrentando transtornos com a Justiça, decidem esquecer os problemas promovendo um concerto gratuito de despedida da turnê americana em Altamont.
A decisão de deixar a segurança a cargo dos Hell's Angels - um grupo de motoqueiros conhecido pela selvageria – trouxe um resultado desastroso. A gangue – contratada por toda a cerveja que conseguisse beber – simplesmente não parou de bater no público durante a apresentação e até mataram um fã, enquanto um Jagger, apavorado, cantava Under My Thumb e pedia paz.
Os anos 60 terminavam de forma trágica naquele dezembro de 69. As imagens ficariam para a posteridade no filme “Gimme Shelter”.
Os anos 70 começam trazendo um novo alento ao grupo, com o inspirado “Sticky Fingers”, de 1971, e o mega-sucesso em single Brown Sugar. O fantástico “Exile on Main Street”, que se seguiu, gravado na França, encerra a boa fase.
De meados da década de 70 em diante, os Stones lançaram álbuns desiguais. “It's Only Rock'n'Roll” tentou apontar uma saída onde não havia. “Black and Blue” foi menos bem recebido, mas era um álbum eclético e com muitas qualidades.
A recuperação total veio com “Tatoo You”, de 1981, uma resposta criativa aos punks de plantão, álbum no qual Ron Wood, que substituíra Mick Taylor em 1975, finalmente dá o ar de sua graça e parece um Stone de verdade.
A partir dessa fase, cada álbum de estúdio é acompanhado logo a seguir por uma turnê e um disco ao vivo, como se fosse um souvenir do concerto. Manias da maior banda de rock em atividade!
Destaque dessa fase é “Steel Wheels”, de 1989, disco rockeiro, blueseiro e baladeiro. Aliás, é deste disco a música Blinded by Love, em que Mick tenta ensinar a nós, pobres mortais, sobre as armadilhas do amor. Mas, pelo visto, ele próprio não aprendeu muito, se lembrarmos de Luciana Gimenez...
Sobra pouco pra comentar dos Stones dos anos 90. Finalmente vieram ao Brasil e satisfizeram a vontade de milhares de sedentos fãs stoneanos pelos 20 anos de atraso.
Bill Wyman saiu da banda, mas parece que ninguém sentiu falta... Já Charlie Watts, quem diria, o baterista amante do jazz tornou-se o mais aplaudido nos concertos do grupo.
Keith finalmente resolveu seus problemas com drogas. Ron Wood tem se dedicado a pintar e parece ter herdado o gosto pelas drogas de Keith e por ninfetas de Jagger... Finalmente, Mick... Bem, além de produtor de cinema, mega-empresário e playboy, Mick Jagger ainda gosta de cantar nas horas vagas.
Neste cenário surge Martin Scorsese - diretor do antológico “O Último Concerto de Rock”, show de despedida do grupo The Band, em 1978, e, mais recentemente, de “No Direction Home”, de Bob Dylan – para, com seu habitual estilo frenético, comandar Mick e seus camaradas.
Scorsese logo se dá conta que terá um páreo duro com Jagger, e é divertido assistí-los negociando desde o palco das apresentações – que Mick não gostou – até o track-list, que o Stone insistia em não fornecer.
Alternando entrevistas de época e imagens da turnê do grupo em 2006, com destaque para músicas do álbum Exile on Main Street, Scorsese acerta a mão ao nos fazer sentir parte do que está acontecendo. Assim, desfilam temas clássicos como Jumpin’ Jack Flash, All Down The Line, Loving Cup, com a participação de Jack White (um tanto desafinado).
Temos também o direito discutível de presenciar a introdução da banda por ninguém menos que Bill Clinton, e é indisfarçável o constrangimento da banda ao ser apresentada ao ex-presidente norte-americano e seus convidados nos bastidores.
Um dos pontos altos do DVD é a entrada do setentão Buddy Guy na arena, e sua participação em Champagne & Reefer, um tributo da banda ao blues que eles tanto amavam. Guy, inspiradíssimo na guitarra, deixa seus alunos Keith Richards e Ron Wood espantados, e Mick faz um belo acompanhamento na harmônica. Uma pena ter sido censurado no DVD o ‘apelido carinhoso’ com que Jagger saudou Guy, audível apenas no cd.
Richards, como em toda apresentação da banda, tem direito ao spotlight por alguns momentos, e não decepciona, em versões caprichadas de You Got The Silver e Connection, e num diálogo hilariante com a galera.
Um espetáculo à parte é a iluminação dos shows e os movimentos de câmera de Scorsese, que não permite sentirmos o tempo passar durante as duas horas em que desfilam as obrigatórias Sympathy For The Devil (com Mick entrando por uma porta lateral junto ao público), e Start Me Up, a levada country Far Away Eyes (com grande solo de steel-guitar de Ron Wood) e a surpreendente Live With Me com Christina Aguilera pegando junto nos vocais com Jagger.
A banda que acompanha os rapazes é, como sempre, competente: Darryl Jones no baixo (presente desde a saída de Wyman da banda, mas não considerado um membro do conjunto), Chuck Leavell nos teclados (afiadíssimo), Bernard Fowler, Lisa Fischer e Blondie Chaplin nos vocais de apoio e Bobby Keys, companheiro desde a década de 60, comandando os metais.
É impossível não se emocionar quando, ao final de Satisfaction, Keith Richards, de joelhos, beija sua guitarra, e acompanhamos a banda aos bastidores onde a câmera de Scorsese se afasta lentamente do teatro e nos mostra uma Nova York toda iluminada ao som de Shine A Light.
A sensação que fica é a de que Martin Scorsese conseguiu rejuvenescer a banda, e não devemos nos surpreender se vierem mais 45 anos de Rolling Stones pela frente!
E se a pergunta for até onde os Stones irão, a resposta parece ser que sempre haverá uma luz iluminando o caminho!
* Texto escrito para o livro 'Alto & Bom Som' em agosto de 2008.
50 anos de rock, não é para qualquer um!
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